Logo que atravessou o portal, já um pouco mais a vontade, perguntou de imediato a raposa:
- E você, fala também?
E a raposa respondeu:
- É evidente que falo, acaso me tem por inferior aos demais animais? Se tartaruga fala, se rinoceronte fala, se zebra fala, é evidente que falo.
Felix perguntou?
- Desde quando os animais aprenderam a falar?
Respondeu-lhe a raposa:
- Desde sempre! Nunca leste o livro do Começo, está lá registado a história de um serpente falante.
Respondeu Felix:
- Ah, sim, mas ela foi usada pelo inimigo e por isto falou.
Disse-lhe a raposa:
- Como vocês humanos são estranhos. O livro não diz que a serpente falou apenas por causa do inimigo do Senhor. Era tão normal os animais falarem que a mulher foi enganada por aquela conversa toda. Se os animais não falassem, não acha que a mulher acharia aquilo muito estranho e pouco provável que ela desse ouvidos há uma serpente?
- As serpentes são muito sábias. Continuou a raposa.
- Elas são os filósofos desta floresta. Questionam a tudo, sempre com desejo de saber mais.
Respondeu Felix:
- Entendi. E para que servem as raposas?
E a raposa respondeu:
- Nós servimos para guiá-los por uma das partes mais difíceis do caminho. As montanhas, nós sabemos tudo sobre elas e conhecemos cada palmo deste lugar.
E perguntou Felix:
- Mas há algum perigo?
Respondeu-lhe a raposa:
- Não, o trajeto perigoso já atravessaste de mãos dadas com Malquiel. Mas acontece que pode perder-se, e não chegar ao próximo destino no momento certo. E além disto, é a vontade do Cordeiro que cada um de nós possamos nos envolver em uma missão e assim servir ao nosso próximo. É por isto que fui designada para guiá-lo.
Felix tornou a perguntar:
- E eu, terei alguma tarefa também em algum lugar?
Respondeu a raposa:
- Certamente que sim, tão logo seja reunido com os seus.
- Com os meus? Perguntou Félix.
- Sim, com os da sua natureza. No reino do Cordeiro todos temos uma missão, servimos uns aos outros e juntos servimos ao Cordeiro.
Quando Félix tentou perguntar algo mais, foi interrompido pela raposa que disse:
- Já perguntaste demais para quem nem começou a viagem. Silêncio por um instante e põe-te a andar!
E assim começaram a caminhar por uma trilha entre as rochas e que continuava montanha acima. Era uma montanha muito alta, rochosa e com alguma vegetação rasteira e poucas árvores. Havia também muitas flores, de todas as cores.
Logo avistaram algumas borboletas, de várias espécies, suas cores misturadas as das flores criavam uma das imagens mais belas que Félix já havia visto. Pelo mesmo caminho descia algumas cabras que saudaram a Félix e a raposa com a saudação habitual daquele lugar:
- Até o dia do Cordeiro!
Esta saudação fez com que Félix se apercebesse que todos esperavam pelo dia do Cordeiro, embora o que isto significava Félix ainda não sabia, mas era possível perceber em cada saudação a expectativa por este dia.
Félix e a raposa seguiam em frente, tudo indicava um longo caminho. Assim como nas caminhadas anteriores não havia cansaço, apenas a expectativa do que viria pelo caminho. Eles caminharam em silêncio durante algum tempo, até que Félix rompeu o silêncio uma vez mais:
- Então, a raposa tem nome?
E recebeu uma resposta com uma suave risada:
- É óbvio que sim. Todo mundo tem nome, por que eu não haveria de ter?
- Então qual é o seu nome? Perguntou Félix!
- Chamo-me Eurico! Respondeu a raposa.
- Eurico? Perguntou novamente Félix com cara de surpresa. - É que Eurico é um nome um tanto quanto diferente para mim, nunca conheci ninguém com este nome.
Respondeu a raposa:
- Lá do mundo de onde vens houve um famoso rei que chamava-se Eurico, conquistou muitas terras e fama, mas não conseguiu atravessar o o vale do nevoeiro devido às suas maldades.
E insistiu Félix:
- Mas ele foi tão terrível assim?
Respondeu a raposa:
- Mais terrível do que você pode imaginar, mandou assassinar o próprio irmão, foi uma espécie de Caim.
Disse Félix:
- Bem, ao menos temos uma boa raposa para limpar um nome tão singular.
- É, é... Resmungou a raposa, como alguém que se pudesse trocava de nome.
Caminharam durante mais um tempo em silêncio, tempo que Félix não sabia contabilizar, pois estavam num mundo onde embora houvesse atividades realizadas no passado e outras a serem realizadas no futuro, no tempo era sempre presente, nem manhã, nem tarde, nem noite, nem ontem e nem amanhã, apenas o hoje.
Depois de algum tempo Eurico disse a Félix:
- Vamos, mais rápido, gosto deste lugar e apresentar-lhe-ei algumas amigas.
Quando Félix olhou para frente viu um enorme sobreiro e uma colmeia de abelhas enorme pendurado num dos galhos do sobreiro. Haviam abelhas a irem e virem a todo tempo. Com tantas flores em redor, não era surpresa alguma que houvesse ali tantas abelhas. Inicialmente Félix sentiu receio de aproximar-se, mas foi logo advertido por Eurico que não havia o que temer.
Ao aproximarem-se as abelhas pousaram tanto em Eurico como em Félix. Eurico esticou seu focinho até tocar a colmeia e com a sua língua começou a lamber o mel que parecia abundante. Eurico olhou para Felix e disse:
- O que está esperando? Prove, este mel é o mais delicioso destas redondezas, e as abelhas nossas amigas, não lhes importa que te sirvas de um pouco de mel.
Félix ficou maravilhado com o sabor daquele mel, não era enjoativo, doce demais, apenas doce e com um sabor sem igual. O mel parecia fortalecer ainda mais nossos amigos viajantes, que depois de provarem do mel foram beber de uma fonte de água cristalina que jorrava de uma rocha um pouco mais adiante.
Havia ali uma relva bem cuidada, sob a sombra do sobreiro. Eurico procurou logo um local para deitar e Félix fez o mesmo. Deitaram-se não por cansaço, mas por prazer, estar ali sob aquele sobreiro, com tantas flores ao redor, com pássaros a cantarem era um convite à uma soneca. Não dormiam por necessidade, mas por puro deleite.
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A Caminho do Paraíso
General FictionUma história emocionante da vida após a morte de um jovem de vinte seis anos vítima de uma doença incurável. Os primeiros momentos após a morte, sua caminha em direção ao seu destino final, os horrores e as belezas do caminho narrados numa história...