Capítulo 2 | Kristen

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"Sense of humor is the feeling that it makes you laugh at what would make you mad with rage if it happened to you." – B.I

O despertador disparou com um som estridente, arrancando-me de um sono profundo. O sol invadia o quarto através da janela de vidro, banhando meu rosto em uma luz intensa que dissipava qualquer lembrança da chuva da madrugada passada.

Meu celular ainda vibrava sobre a mesa de cabeceira, e, sem muita paciência, percebi que Kristen estava ligando pela milésima vez. Olhei para o relógio: já era uma da tarde. Quanto tempo eu tinha dormido desde que cheguei da cafeteria?

Esfreguei os olhos com dificuldade e me forcei a levantar, sentando-me na beirada da cama. Meu quarto estava um caos, com roupas jogadas no chão e papéis espalhados por todos os lados. Na verdade, todo o apartamento refletia o desleixo de alguém que parecia ter abandonado qualquer ideia de organização. A bagunça era uma extensão de mim mesmo.

Naquele mesmo apartamento, anos atrás, eu morava com meus pais, Michael e Celina. Não era um lugar grande, apenas quatro cômodos: um quarto, um banheiro, uma sala e uma cozinha. Simples, mas aconchegante o suficiente para um jovem casal e seu filho de um ano.

Quando meus irmãos gêmeos, Jared e Alicia, nasceram, meus pais finalmente decidiram mudar-se para uma casa maior. Preferiram uma cidade mais tranquila, onde poderiam criar os três filhos com mais paz. Eles não venderam o apartamento; em vez disso, decidiram alugá-lo. Anos depois, quando decidi estudar em Hutton, meu pai resistiu à ideia de me deixar morar sozinho. Eu tive que provar que poderia ser "responsável".

Para isso, abri mão de algumas das minhas diversões: nada de noites sem fim, nada de aulas perdidas, e, principalmente, nada de brigas, acidentes de carro ou qualquer coisa que o fizesse hesitar. Depois de alguns meses, ele cedeu. Mudanças e responsabilidades... coisas que a vida rapidamente me ensinou a rejeitar novamente.

O celular continuava tocando. Atender ou ignorar? Escolhi a primeira opção para evitar que Kristen transformasse o dia em um pesadelo.

— Oi, o que você quer, Kristen? — perguntei, minha voz rouca de sono.

— Thomas? Abre a porta. Estou batendo há um século! — respondeu ela, soando irritada.

— O quê?! O que você está fazendo aqui?

— Quero conversar com você!

Suspirei, ciente de que não teria paz enquanto não a atendesse. Levantei-me, lavei o rosto e escovei os dentes. Kristen estava lá fora, impaciente.

Ao abrir a porta, lá estava ela, impecável como sempre, num vestido rosa que realçava a pele pálida e os olhos brilhantes. Seus cabelos loiros estavam soltos, moldando o rosto com perfeição. Ela sorriu ao me ver, mas seu sorriso se quebrou quando não correspondi.

— Não vai me convidar para entrar? — perguntou, forçando um tom casual.

Dei passagem para ela com um gesto desinteressado.

— Entre, mas seja rápida.

Ela se acomodou na poltrona da sala, ajeitando a bolsa com cuidado, enquanto eu permanecia em pé, esperando que fosse direto ao ponto. Kristen começou a me fitar, parecendo buscar algo em meus olhos. No entanto, a única coisa que eu deixei transparecer foi tédio.

Ela desviou o olhar para o quarto, onde a bagunça era visível pela porta entreaberta.

— Não acredito que você estava dormindo até agora! Que horas chegou ontem?

— Ou melhor, hoje de manhã, — respondi com um sorriso sarcástico.

Kristen ergueu a voz, indignada.

— O quê, Thomas? Você saiu da minha casa às onze da noite. Onde passou o resto da madrugada?

Eu a observei com uma calma calculada, enquanto minha mente vagava até a garota da cafeteria. A lembrança de seu olhar profundo e sua postura forte fez um sorriso involuntário surgir em meu rosto.

Kristen cruzou os braços, impaciente.

— Pelo jeito, sua madrugada foi boa, né? — disparou, com um tom ácido.

— Estava por aí, Kristen.

Ela se levantou de repente, a expressão endurecendo.

— Onde você estava? E com quem?

Suspirei, caminhando até a cozinha. Abri a geladeira e peguei a última caixa de leite, bebendo direto da embalagem.

— Eu não preciso te dizer onde eu estava. — Minha voz foi firme, quase fria.

Kristen avançou para mim, seu rosto vermelho de raiva.

— Claro que você tem que me dizer! Eu tenho o direito de saber, Thomas! — Ela quase gritou, exigindo uma resposta.

Joguei a caixa vazia no lixo, me mantendo calmo enquanto seu rosto se distorcia em uma fúria crescente.

— Nossa noite teria sido bem melhor se você não tivesse me expulsado da sua casa, — falei com um sorriso irônico, só para provocá-la.

Ela se aproximou ainda mais, e eu podia sentir sua respiração acelerada.

— Aposto que você estava com aquela vaca da Cindy! Você não vale nada mesmo! — gritou, suas palavras envenenadas pelo ciúme.

Eu ri alto, quase debochado. Cindy… era passado, mas Kristen fazia questão de ressuscitar esses fantasmas. Cindy e eu fomos um erro adolescente, uma lembrança agridoce que se tornou um espinho na relação que Kristen insistia em manter viva.

— Não seria uma má ideia ter feito uma visitinha para Cindy ontem, — brinquei, observando o impacto das palavras.

Kristen ficou a centímetros de mim, os olhos faiscando de raiva.

— Você é meu namorado! Eu tenho o direito de saber onde você estava e com quem!

Suspirei, e pela primeira vez olhei diretamente em seus olhos, para que não restasse dúvidas.

— Kristen, — comecei, em um tom baixo, quase gentil, — nunca houve nada sério entre a gente. Eu sempre deixei isso claro.

Ela piscou, atordoada, e o brilho de raiva em seu olhar deu lugar a uma sombra de dor. Ela recuou, pegou a bolsa e disparou para a porta, xingando-me com uma série de insultos que eu provavelmente merecia.

— Você vai me pagar, Thomas! — gritou, antes de abrir a porta.

— Você não tinha algo para me falar mesmo? — perguntei, sorrindo ironicamente.

Kristen se virou para me fuzilar com o olhar uma última vez, como se pudesse me fulminar ali mesmo. Então, com uma força que fez as paredes estremecerem, bateu a porta, e eu fiquei sozinho novamente.

Deixei-me cair no sofá, um peso incômodo no peito. Kristen… ela não merecia isso. Mas eu estava exausto de viver as expectativas que ela projetava sobre mim. A vida parecia mais fácil quando não havia promessas e expectativas. Para mim, o sábado prometia ser vazio, e de certa forma,
eu preferia assim.

Ela Costumava DizerOnde histórias criam vida. Descubra agora