O Hospital

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Eu não sabia o que estava acontecendo. Minhas mãos tremiam, meus olhos esboçavam a esfera de medo daquele cenário. Passei alguns minutos em estado de choque. O propósito da vida sempre acaba ofuscado pela dor, é estranho pensar assim, mas é o que sentia. Pelo menos o que sinto.

Um cheiro de fumaça tomou conta, ao olhar para minha casa o fogo a dominava por inteira, tudo parecia ser tão surreal, porém esses fatos se confirmavam ao perceber que as outras residências da vizinhança, da cidade, também queimavam. Uma onda de fumaça preta tomou conta do céu, tirei o celular do bolso para ligar para emergência e infelizmente, não havia sinal. E para piorar, não havia o mais precioso sinal da humanidade: de vida.

Ele tinha um aparência nojenta. Seus olhos era uma fonte de algo muito maligno, seu corpo era robusto, sua boca era deformada e suas roupas eram rasgadas. Seus ouvidos sangravam e para piorar: ele vinha correndo em minha direção. Não tive outra alternativa a não ser correr o mais depressa que podia. Quanto mais me distanciava, aquele estranho se aproximava. Corria desesperadamente até que cheguei a um beco sem saída. Ao chegar até mim e ao olhar profundamente em meus olhos aquele ser maligno me dominou.

Após essas séries de revelações tenho certeza que estava engana sobre esse lugar. Nunca estive em uma quarentena, mas sim em coma. O estranho de tudo isso é que parece que realmente passei esse tempo nesse quarto. Eu tenho memórias, lembranças que se confrontam com minhas verdades. Algo muito estranho está acontecendo e eu sou a única capaz de cessar fogo contra esse mal. Irei fazer o que for preciso, pois isso é, o que você é, até o fim.

Após ficar um bom tempo no chão, aparentemente duas enfermeiras e entraram no quarto. Elas me levantaram e me levaram até a cama, após aplicarem uma espécie de medicação que me deixou totalmente enjoada e fraca. Ao ver que elas se afastavam não hesitei e indaguei totalmente sem forças e chorando:

"Espera! Espera! Pelo amor Deus, eu preciso saber, por que as pessoas estão daquele jeito?"

Uma das enfermeiras veio em minha direção, nesse instante começo a reparar todos seus movimentos e sua aparência. Ela usava um jaleco branco, parecia ser algo de época (era muito antigo para a tendência atual). Seu cabelo era preto como o céu no dia do incêndio. Sua pele era branca. Muito branca. Após alguns passos ela se aproxima de mim. Coloca o indicador entre os lábios/boca e pede silêncio. Meus olhos se curvam e se arregalam com aproximação dela. As lágrimas escorriam espontaneamente.

"Cala boca!" Grita a mulher histericamente como um animal, onde seu rosto parecia ser de um cadáver em decomposição. Logo em seguida, sua cabeça deu um giro.

Eu apaguei. Acordei agora, mas dessa vez não esqueci o que sei, as drogas que estão aplicando em mim não fazem mais efeito. Vou fugir daqui ao amanhecer e com certeza colocarei um ponto final nesse sofrimento. No entanto, preciso de respostas e espero que não tenha que abrir mão de minha liberdade para tê-las o mais rápido possível comigo.

Estava esquecendo de algo muito importante, uma peça crucial para minha saída desse "hospital". Me levanto e vou a procura da câmera que estava direcionada a mim no dia da minha crise de memória. Após um grande intervalo de tempo procurando, não encontrei absolutamente nada. Talvez a grande resposta para minhas perguntas é que eu esteja enlouquecendo. Nada está fazendo sentido. Sento no chão e começo a chorar. As lágrimas tem se tornado minhas únicas aliadas nesse momento. Após algumas horas, ao olhar para janela, vejo a luz dia. Um sorriso desencadeia-se espontaneamente em meu rosto, quando de repente a porta do quarto se abre sozinha.

Realmente isso foi muito inesperado, presto atenção em todo ambiente, até tomar a decisão que agora intriga e atordoa minha mente. Chegou a hora de lutar.

Um enorme corredor me aguarda pelo lado de fora. As paredes possuem as mesmas características que encontrei em minha casa. Desenhos e palavras totalmente alheias ao meu conhecimento só reforçam as ideias macabras por trás dos últimos acontecimentos.

Estou com uma roupa hospitalar branca (aquelas de doentes), na medida que caminho por esse lugar, meu reflexo é direcionado a mim através de pequenos espelhos que parcialmente ficam em algumas partes da parede. Fazia muito tempo que não me olhava em um desses objetos. Tenho que confessar que realmente estou muito acabada. Eu sempre fui muito vaidosa desde pequena, mas as coisas mudam, o tempo muda e nós apenas temos de acatar, porque se o confrontamos pagamos muito caro por isso.

Segui meu percurso, em um desses espelhos vejo um vulto, ao olhar para trás, dou de cara com a enfermeira. Ela estava do mesmo jeito de ontem, com o indicador entre os lábios pedindo silêncio. Começo a ficar apavorada diante essa situação e também ao perceber que minha fuga já havia sido descoberta. Tudo se agrava quando ouço um miado de gato.

June está na minha frente. Eu a olho com a mesma compaixão de antes. Nada para mim parece ter mudado, quando a vejo. A pobrezinha é apenas mais uma vítima. Não demorei muito para a pegar no colo.

Sigo passando a mão em seus pelos branquinhos. Depois, em um ritmo mais acelerado. De repente olho para um dos espelhos e com grande surpresa me deparo com minha roupa vermelha de sangue. Minhas mãos estavam vazias e não havia nenhum sinal de June por ali. Uma dor gigantesca toma conta de minha cabeça e ao correr pelo enorme correr as inúmeras luzes vão apagando-se sucessivamente e ao encarar a parede vejo reflexos de um carro capotando.

"Infelizmente, eles não conseguiram minha querida. Sinto muito, você não deveria perdê-los agora, mas a vida tem dessas coisas. Pode chorar, chora minha menina!"

Foram essas as palavras de uma estranha que serviu de amparo a mim ao descobrir a morte de meus pais. Estávamos indo comemorar meu aniversário de doze anos, em um chalé, quando o acidente aconteceu. Depois disso, não me lembro de mais nada. Só recordo dessa conversa que tive com aquela mulher nesse mesmo lugar. Só agora estou me dando conta que esse é o mesmo hospital onde fiquei quando me recuperava da desgraça.

Sempre fiz de tudo para deixar essa parte da minha vida escondida, ou pelo menos, esquecida. Dói muito relembrar tudo aquilo. Eu não tinha mais ninguém nesse mundo. Foi ai então, que conheci o lado mais perverso da vida.

Ao sair desse lugar me deparo com as ruas desertas, as árvores secas e o céu negro como a noite. Uma manhã que normalmente era linda parece ser um alojamento de tormentas.

"Não me leve para aquele lugar! Eles não são boas pessoas, minha mãe vai voltar e o papai também. Todas noites eu tenho sonhado com isso, eu te imploro, deixe eu voltar para minha casa!"

Lágrimas ao AmanhecerWhere stories live. Discover now