Três

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Sempre que queremos que o tempo abrande, nem que seja por uma ou duas horas, este parece ter a necessidade de correr à frente dos nossos olhos, suportando no seu rosto figurativo um ar gozão. A nossa mente prega-nos partidas constantemente. Hoje, Flora havia-se apercebido dessa realidade, aprendendo a lidar com a indecisão e ansiedade da pior maneira.

Afogada em pensamentos, a rapariga limpava o balcão, com um pano demasiado frio, e preparava-se para dar aquele dia como terminado. Pelo menos, era o que Flora gostaria de poder dizer. Porém, a voz rouca de Angus não lhe abandonava a cabeça, ecoando de uma maneira quase ensurdecedora.

Não sabia o que fazer. Estava dividida entre fugir ou morrer. Se aparecesse, iria estar a oferecer demasiada importância a algo insignificante – o que, por poucas palavras, pode ser letal. Se não aparecesse, poderia estar a perder uma oportunidade esplêndida para voltar a sentir o que quer que seja.

Encolheu os ombros, numa tentativa de enxotar as vozes desentendidas que lhe berravam, e finalmente resolveu fazer o que lhe apetecesse. Claro que lhe passou pelos pensamentos que aquela não era a decisão mais responsável, mas o que é que isso interessava? Afinal, o que é que ainda havia a perder?

Atirou o pano para dentro do lava-loiça, despindo a bata e pendurando-a nos cabides, que se encontravam na sala dos empregados.

"Até amanhã, Alex." Anunciou, sorrindo ao moço, que varria o chão.

"Adeus, Flora. Tem uma boa noite."

Apressou-se a abandonar o edifício, começando a caminhar pelas ruas molhadas, numa procura desorientada pelo «bar aqui perto». Questionou-se qual seria a definição de «perto» para Angus.

Mas rapidamente foi esclarecida quando se deparou com os seus cabelos escuros, despenteados, e ar boémio, à porta do pub "The Quiet Woman", com um cigarro entre os dedos magros.

Respirou fundo várias vezes, crente de que isso iria ajudá-la no que quer que fosse, mas, na verdade, só piorou a situação. Principalmente no momento em que Angus a vislumbrou, olhando-a nos olhos e esboçando-lhe um sorriso pálido.

Por dentro, o rapaz gritava de euforia – pelas piores razões imagináveis. E Flora, com toda a sua inocência, depositava confiança no seu encarar entusiasmado. Parecia uma rapariga de quinze anos outra vez, agindo como se jamais tivesse aprendido uma boa lição.

"Olá, Flora!" Exclamou Angus, apressando-se a agarrar-lhe no braço e puxá-la para perto. "Não esperei que aparecesses."

"Nem eu." Admitiu a rapariga, soerguendo os cantos da boca. "Não sabia que este bar existia." Mudou de assunto, observando a casa de relance.

"Abriu há pouco tempo." Constatou, colocando-lhe uma mão no fundo das costas. "Queres entrar?"

"Sim, por favor. Está um frio de morrer."

Caminharam, lado a lado, até ao interior do bar, onde a temperatura era, sem dúvida alguma, mais agradável. Sentaram-se na única mesa vazia, que quase parecia ter sido deixada desocupada de propósito.

A noite não foi constrangedora, ao contrário do que Flora havia pensado. Angus era perito em conversas de café, e a rapariga questionava-se quantas vezes o moço não teria já feito aquilo. E questionava-se como é que todos aqueles encontros teriam acabado.

Entre gargalhadas e momentos silenciosos, eram três da manhã, o que para Angus era somente o início da noite. Contudo, para Flora, era mais que o fim.

"Tenho que ir andando." Anunciou, passando o olhar pelo ecrã do telemóvel. "Já se está a fazer tarde."

Angus esforçou-se para não lhe revirar os olhos, sabendo que isso iria, possivelmente, arruinar o seu disfarce macabro. Pensou duas vezes e assentiu, levantando-se, pronta para acompanhar Flora até casa, mas ela rapidamente lhe reprimiu o gesto.

"Vou chamar um táxi. A minha casa ainda é longe."

"Como queiras. Mas não me vais impedir de te acompanhar, enquanto esperas pelo táxi."

"Tudo bem." Sorriu Flora, tão genuinamente, que quase se assustou a si própria.

Quase quis fugir, negar-lhe a companhia, mas isso seria temer sentir. E temer sentir, correr na direcção oposta aos sentimentos, era ser integralmente hipócrita. Por isso, ignorou as ideias e dirigiu-se à rua, encostando-se a uma das paredes frontais, procurando abrigar-se melhor do frio.

Angus encostou-se a seu lado, retirando um cigarro do maço e colocando-o entre os lábios gretados.

"És servida?" Indagou, estendendo-lhe o maço entreaberto.

A rapariga queria dizer que sim com tudo o que tinha, mas não cedeu, respirando fundo e desviando o olhar.

"Não, obrigada. Estou a tentar deixar."

Ainda Angus não havia tido hipótese de resposta, quando o táxi se encontrava perante ambos. Flora apressou-se a sorrir-lhe, abraçando-o de forma involuntária, seguidamente murmurando um pequeno «Adeus» e virando costas.

ThunderstormWhere stories live. Discover now