Quatro

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Para toda a população trabalhadora, os fins-de-semana são a parte mais emocionante e relaxante de todos os cinco dias exaustivos de rotina. É no fim-de-semana que os indivíduos aproveitam e escapam ao aborrecimento que é viver. Pelo menos, é desta forma que gostamos de pensar, a fim de não ficarmos irreversivelmente deprimidos. 

Porém, Flora sempre se revelou uma moça com os pés demasiado assentes na terra. E esta realidade significa, nada mais nada menos, que os dois únicos dias em que poderia dar a si mesma um descanso só a extenuam mais. 

Vendo-se obrigada a olhar pela irmã, garantindo que não envereda pelo pior caminho, exigindo-lhe que lute por um futuro melhor, a moça de cabelos escuros vê-se privada de uma vida própria. Não sai, não passa tempo com os amigos -- na realidade, nem disponibilidade para os conquistar possui. É uma rapariga de dezoito anos presa no corpo de uma mulher de quarenta. 

Em contraste, Angus é um moço de vinte anos que reside na estrutura de uma criança de quinze. Sai demasiado, bebe demasiado, fuma demasiado -- não tem controlo. Contudo, tal como Flora, o rapaz não usufrui da companhia de muitos. Não consegue mantê-los interessados. Magoa-os sem pensar nas consequências, sem se colocar no seu lugar. 

Angus pondera Flora com malícia. Não vê nela uma potencial companheira, mas sim uma possível «presa». Uma criatura frágil, bela, saudável, pronta para ser destruída pela toxicidade que o rapaz transporta consigo. E, de certa forma, no fundo, ela consegue enxergar isso.

"Flora, preciso de um caderno novo." Eva anuncia, ingressando o quarto da irmã, rompendo-lhe a linha de pensamentos. 

"De que tipo?" Flora indaga, erguendo o olhar para encarar a morena de olhos verdes, contendo-se para não libertar um suspiro insatisfeito. 

"A4. Com urgência!" 

Com muita dificuldade, Flora reúne todos os seus pertences, abandonando o conforto do lar numa sequência de movimentos rápidos, convencendo-se de que assim lhe custará menos. Caminha pelas ruas frias até à papelaria mais próxima. Ingressa o edifício e oferece ao local uma olhadela rápida, segundos antes de alcançar um caderno simples, de capa preta. Paga e regressa ao ar gélido do Reino Unido. 

Sabe que tem que regressar em breve, mas pondera parar e respirar o oxigénio por um minuto, aproveitando a ilusória liberdade da adolescência. Vislumbra as suas redondezas e não pode deixar de reparar nos caracóis. Os caracóis negros, inconfundíveis. 

Num movimento involuntário, dá um par de passos em direção à figura. Toca-lhe no ombro e esperando que ele se volta para a encarar. 

Com um sorriso aberto, falso e perigoso, o rapaz cumprimenta-a, "Flora! Que fazes por aqui?"

"Vim à papelaria." Confessa, simplesmente, sorrindo-lhe. "E tu?"

"Estava farto de estar fechado entre quatro paredes." Profere, olhando-a de cima abaixo e, num ato de pura crueldade, exalando-lhe o fumo do cigarro, que suporta entre os dedos, diretamente para o rosto. 

Num movimento defensivo, Flora apressa-se a dar um passo atrás, tentando escapar ao sedutor cheiro a tabaco queimado. 

"Porque é que fizeste isso?" 

Com um rasgar de lábios encantador, Angus limita-se a enunciar, "Exalar fumo para o rosto de alguém significa que se quer ir para a cama com ela."





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⏰ Last updated: Nov 23, 2018 ⏰

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