Capítulo Quatro

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- Então... O que achas...?

- Ele parece melhor do que esperava, mas...

Catarina explicava a Miguel na cozinha a consulta que tivera com Eduardo, enquanto o último estava sentado abraçado aos joelhos no sofá, a ver TV, enquanto mordiscava uma barra de chocolate. Miguel olhou-a, expetativo.

- Mas o quê?

Catarina suspirou.

- Mas tende a bloquear memórias. Ele raspou na superfície de algumas, mas creio que há muito mais que escavar do que aparenta.

- Falou de alguma memória em específico...? - perguntou Miguel, temendo ser a causa de alguma tristeza do amigo.

- Memórias de infância e as suas relações com amigos.

Miguel hesitou.

- Então... Porque dizes que ele bloqueou essas memórias? Essas parecem ser boas memórias...

- Não sei... Normalmente as vítimas de situações traumáticas tendem a bloquear as memórias que envolvem a tal situação. Segundo me disseste, ele foi abusado pelos pais, mas nenhuma das memórias que vieram ao de cima envolvia casos extremos...

- Então, ele está assim porquê?

- Põe-te no lugar dele. Desde criança vives com o fantasma do que aconteceu com os teus pais: confiaste neles, eles traíram-te e marcaram-te para a vida. Após isso, foram para a cadeia e ficaste entregue aos cuidados da avó do teu melhor amigo, e sempre que te visses ao espelho, recomeçava tudo - explicou Catarina.

Ambos o observaram. Ainda com o olhar fixo em Eduardo, continuou.

- Vou dar-lhe uma semana de descanso. Encontramo-nos no próximo sábado?

Miguel suspirou, também a fitar Eduardo.

- Sim...

- Então, vou-me embora - beijou Miguel na cara e olhou-o com preocupação. - Bom fim-de-semana, e... Boa sorte.

Desapareceu pelo corredor e ouviu-se a porta da rua abrir e fechar.

"FRACO!"

"PATÉTICO!"

"VERGONHOSO!"

- Estás bem...?

Miguel tinha-se sentado ao lado de Eduardo, e este entrou em sobressalto quando Miguel lhe pousou uma mão no joelho. O olhar de Eduardo estava febril, doentio, enlouquecido... Olhava para a mão de Miguel com um medo quase irracional, surreal. Eduardo olhou-o nos olhos.

"Como é que ele consegue...?"

Miguel teve a sensação de Eduardo estar a tentar ler a sua alma. Aproximou-se dele, com algum receio, com a intenção de o abraçar, mas desistiu ao vê-lo desviar a atenção de novo para o televisor.

- Eduardo..., sabes que eu vou estar sempre a teu lado, certo?

Eduardo suspirou pesadamente com os olhos fechados. Agarrou no comando remoto e desligou a televisão. Olhou-o nos olhos com calma e determinação.

- Sei - respondeu.

Observaram-se durante uns momentos em silêncio, tentando compreender o outro, até Miguel quebrar o silêncio.

- Sabes, já há algum tempo que não vamos ao cinema...

Eduardo suspirou mais uma vez e levantou-se do sofá.

- Vai tu, se te apetecer - Miguel sentiu-se abalado ao ouvi-lo dizer isso. - Eu estou mesmo é a precisar de uma sesta.

Tendo acabado de falar, encaminhou-se para o quarto, onde a paz de espírito o esperava.

Injeção De CrimeWhere stories live. Discover now