- Então... O que achas...?
- Ele parece melhor do que esperava, mas...
Catarina explicava a Miguel na cozinha a consulta que tivera com Eduardo, enquanto o último estava sentado abraçado aos joelhos no sofá, a ver TV, enquanto mordiscava uma barra de chocolate. Miguel olhou-a, expetativo.
- Mas o quê?
Catarina suspirou.
- Mas tende a bloquear memórias. Ele raspou na superfície de algumas, mas creio que há muito mais que escavar do que aparenta.
- Falou de alguma memória em específico...? - perguntou Miguel, temendo ser a causa de alguma tristeza do amigo.
- Memórias de infância e as suas relações com amigos.
Miguel hesitou.
- Então... Porque dizes que ele bloqueou essas memórias? Essas parecem ser boas memórias...
- Não sei... Normalmente as vítimas de situações traumáticas tendem a bloquear as memórias que envolvem a tal situação. Segundo me disseste, ele foi abusado pelos pais, mas nenhuma das memórias que vieram ao de cima envolvia casos extremos...
- Então, ele está assim porquê?
- Põe-te no lugar dele. Desde criança vives com o fantasma do que aconteceu com os teus pais: confiaste neles, eles traíram-te e marcaram-te para a vida. Após isso, foram para a cadeia e ficaste entregue aos cuidados da avó do teu melhor amigo, e sempre que te visses ao espelho, recomeçava tudo - explicou Catarina.
Ambos o observaram. Ainda com o olhar fixo em Eduardo, continuou.
- Vou dar-lhe uma semana de descanso. Encontramo-nos no próximo sábado?
Miguel suspirou, também a fitar Eduardo.
- Sim...
- Então, vou-me embora - beijou Miguel na cara e olhou-o com preocupação. - Bom fim-de-semana, e... Boa sorte.
Desapareceu pelo corredor e ouviu-se a porta da rua abrir e fechar.
"FRACO!"
"PATÉTICO!"
"VERGONHOSO!"
- Estás bem...?
Miguel tinha-se sentado ao lado de Eduardo, e este entrou em sobressalto quando Miguel lhe pousou uma mão no joelho. O olhar de Eduardo estava febril, doentio, enlouquecido... Olhava para a mão de Miguel com um medo quase irracional, surreal. Eduardo olhou-o nos olhos.
"Como é que ele consegue...?"
Miguel teve a sensação de Eduardo estar a tentar ler a sua alma. Aproximou-se dele, com algum receio, com a intenção de o abraçar, mas desistiu ao vê-lo desviar a atenção de novo para o televisor.
- Eduardo..., sabes que eu vou estar sempre a teu lado, certo?
Eduardo suspirou pesadamente com os olhos fechados. Agarrou no comando remoto e desligou a televisão. Olhou-o nos olhos com calma e determinação.
- Sei - respondeu.
Observaram-se durante uns momentos em silêncio, tentando compreender o outro, até Miguel quebrar o silêncio.
- Sabes, já há algum tempo que não vamos ao cinema...
Eduardo suspirou mais uma vez e levantou-se do sofá.
- Vai tu, se te apetecer - Miguel sentiu-se abalado ao ouvi-lo dizer isso. - Eu estou mesmo é a precisar de uma sesta.
Tendo acabado de falar, encaminhou-se para o quarto, onde a paz de espírito o esperava.
YOU ARE READING
Injeção De Crime
De TodoMiguel Martins nasceu em Santarém, Portugal. Sempre gostou da cidade e seus concelhos, a sua cultura e a sua história. Miguel considera-se o que se pode chamar "um bom português". Um dia, encontrou um estranho cartão repleto de números. Mal sabia el...