EPILOGUE: letter to anyone

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Meu nome é Kim Taehyung. Eu tinha dezesseis anos e estava no segundo ano do ensino médio. Desde pequeno sempre soube que a minha forma de amar era tóxica. Eu amava tanto, que me tornava obsessivo. E ah, não, eu não digo apenas de amor por pessoas. Qualquer coisa que me atraisse, que me cativasse, eu me sentia obcecado. Eu ignorava minha dor, colocando aquela coisa num pedestal. Eu sofria suas dores. Eu suportava tudo que precisasse. Até que chegasse o dia em que isso acabaria me matando. Eu me tornei obsessivo por muitas coisas com o passar dos anos. Tornei-me um viciado em jogos digitais, em estar sozinho, em remédios. E em um certo momento, me viciei em um perfume. Em um par de olhos. Em mãos firmes. Em um abraço apertado, e um cheiro tão tóxico quanto meu amor. Jeon Jungkook era o motivo do meu respirar.

Mas voltemos à minha história, não é? Aos oito anos de idade vi meus pais morrerem em uma briga de bar. Minha mãe era uma mulher doce, com olhos gentis e mãos delicadas. Ela tinha cabelos tão escuros quanto à noite, e olhos esverdeados, considerados raros para nós, asiáticos. Os olhos dela brilhavam perfeitamente à luz, como uma densa floresta. Minha mãe foi e sempre vai ser a única mulher que amei incondicionalmente em minha vida. Meu pai era o contrário. Ele provocava as marcas roxas na pele alva de minha mãe. Ele deixava cada uma delas com suas grandes mãos abusivas e nojentas. E ele fazia o mesmo comigo e com meu irmão mais velho. Woo Bin tinha 12 anos quando tudo aconteceu. Meu pai se envolveu em uma briga, e acabou esfaqueado. Minha mãe tentou ajudá-lo. 

Mesmo sabendo que talvez fosse a última coisa que ela fosse fazer em sua vida, ela não o abandonou. Penso que herdei sua forma de amar. Insana, inconsequente, irresponsável. Ela nunca deixou de amá-lo incondicionalmente, mesmo cada vez que apanhava por ele chegar bêbado em casa e apenas querer descontar sua raiva em alguém. Mesmo após todas as vezes em que ele agrediu e maculou sua pele macia. Mesmo quando seu olhar gentil era diluído em desesperança, ela não abandonou seus filhos. Ela esteve ao nosso lado, até que não pôde mais. Depois disso moramos com nossos tios até que Woo Bin fez 18 anos, então voltamos pra casa. Voltamos para a casa onde ainda, apesar da poeira e do abandono, sentíamos o cheiro do perfume de nossa mãe. Onde ouvíamos o barulho da cafeteira e do riso dela pela manhã. E onde até os dias de hoje eu apanho por ser quem sou. Meu irmão não suportou ter um irmão gay. Ele não suportou isso sem ajuda da pessoa que nos protegia. Meu irmão não me suporta.

Naquele domingo em especial, eu tentei deixar tudo pra trás. Jogar minha vida pra dentro daquele mar imbecil, e deixá-lo me engolir. Deixar que ele engolisse todas as minhas angústias, minha dor e meus arrependimentos. Era fim de tarde quando comecei a beber. Estava em um bar qualquer, perto da praia. Os potes cheios de pílulas nos meus bolsos tilintavam conforme eu me mexia, oscilando pensamentos que eu gostaria de não ter. Mas eu estava bêbado demais. Machucado demais. Eu já não suportava mais estar sozinho, mesmo dentre uma multidão. Eu sempre odiei o que a depressão fez comigo. Sempre odiei o Taehyung em quem ela me transformou. E eu queria acabar com aquilo de uma vez por todas.

Não me lembro ao certo o que houve depois que tomei as pílulas, mas me lembro dos olhos preocupados de Hoseok. O mesmo Hoseok que eu havia deixado Jeon machucar tantas vezes. O mesmo Hoseok que eu havia fechado os olhos enquanto via o sangue pingar de seus lábios roxos, doloridos. O mesmo Hoseok magro e doente que eu fui covarde demais pra defender. O mesmo Hoseok que me fez sorrir, e cuidou de mim tantas vezes pelas mensagens que ele insistia em mandar. Pelas ligações durante a madrugada. Por cada "se cuida" que ele me disse. Eu ignorei tudo isso. Eu me tornei como minha mãe. Ignorei a alegria por um amor toxico. Eu fiquei com medo quando o vi naquela cama de hospital. Fiquei com medo da esperança em seus olhos. Eu temi magoar o garoto pequeno que se encolhia na poltrona, cuidando de alguém importante para si a cada segundo. Eu temi entrar e dar à ele uma falsa esperança de que eu iria mudar. De que eu conseguiria esquecer Jeon. De que eu pudesse amar ele. Então eu fui embora. Eu deixei uma parte de mim naquele hospital. Eu deixei uma porta aberta pra felicidade de alguém.

Já se passaram três anos desde que tudo isso aconteceu. Já se passaram mais de três anos que não vejo Hoseok. Mas também já se passaram mais de três anos que deixei Jeon Jungkook. De alguma forma, após algum tempo eu percebi que o amor não é sacrifício. Não é dor. Amor é poder dividir o peso das coisas. Amor é estar sempre lá, e ter alguém que também estará. Decidi me tornar escritor, e, desde então, tenho tentado colocar um pouco de minha vida em cada letra que ponho no papel. Senti a brisa fria em meu rosto, trazendo junto de si o cheiro de café fresco e chocolate. Sorri. Sorri porque enfim, eu sinto que posso.

- Senhor, seu café...

Pousei a caneta sobre a folha amarelada na qual eu escrevia. A voz tímida chamara minha atenção. Era doce, suave. Olhei aquele pequeno ser profundamente em seus olhos, vendo as bochechas redondinhas corarem, enquanto ele deixava o café sobre a mesa, fazia uma breve reverência e virava as costas. Eu senti cada batida desesperada de meu coração. Eu senti o ar preso em minha garganta à cada segundo no qual eu me esquecia de como respirar. Eu sentia o perfume delicado inebriando meus sentidos. Eu observei como seus cabelos cor de mel caíam perfeitamente sobre sua testa, os olhos escuros, pequenos, acolhedores. As mãos provavelmente tão macias quando algodão, cobertas pela pele alva, que corava levemente na altura das bochechas, deixando-o ainda mais encantador. Ao vê-lo se virar e dar alguns passos, as palavras se esvaíram por meus lábios, sem sequer pedir uma confirmação lógica da minha parte.

- Ei, você! Qual o seu nome?

Observei-o por mais alguns segundos. Uma certa confusão passou por seu rosto antes que ele me respondesse, privilegiando-me com uma visão perfeita de seu eyesmile e seu sorriso de dentes levemente tortinhos na frente.

- Jimin, Park Jimin.

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