Boneca Perdida

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Frio.
Essa era a sensação que Samantha sentia.
Isso era estranho, porém.
O corpo de Sam era extremamente quente, e mesmo que nevasse, ela não sentia diferença térmica.
Ela olhou para os joelhos. O sangue manchava as meias longas e fazia uma trilha por onde ela andava. Samantha havia escorregado enquanto procurava o caminho para casa.
Ela ouviu os uivos se aproximando. O lobo branco que destroçou a garganta da bruxa se aproximou dela. O pelo tão claro quanto a neve ainda estava manchado.
A cabeça do lobo se inclinou para a esquerda, e a dela também.
Ela não tinha medo, apenas curiosidade. O lobo se aproximou, cheirando a mão da garota, que fez carinho em sua cabeça.

***********
Quente.

Quente demais.

Samantha movia as bolhas que saíam da banheira em que estava. O lobo a tinha guiado até uma vila que lembrava o lugar de seus sonhos. Eram homens, mulheres e crianças, e muitos lobos, de diversos tamanhos e cores. Aquele lugar era lindo.
O lobo a tinha levado ao maior edifício daquele lugar, que lembrava uma prefeitura ou algo assim. Uma bela loba com pelo castanhos, que se transformou numa linda mulher a ajudou a limpar os ferimentos dos joelhos e os cortes finos pelos braços e pernas.
A loba, Jasmine, se referia a ela como boneca, juntamente com os outros lobos.
Ela odiava isso.
Os cortes se fechavam. Ela se curava 100 vezes mais rápido que as pessoas comuns, mas, se comparada aos lobos, era muito lenta.

Colocou as mãos para fora daquela banheira e inclinou os joelhos para cima. Com a ponta do dedo indicador, traçou os caminhos dos cortes que ali estavam, onde agora restavam apenas finas linhas rosadas que lentamente desaparecia, mesclando a cor da pele.

Ela se levantou da banheira, e de frente ao espelho enorme daquele banheiro fitou a marca na pele. Da barriga aos ombros, passando pelas costas. Pareciam marcas de garras na barriga e, das costas aos ombros, marcas tribais. Ela não entendia aquelas formas.

Ela colocou a camisa larga sem mangas que Jasmine tinha deixado ali e um short jeans qualquer. O calor próprio havia retornado, e ela ela já não sentia mais que o úmido da neve.
Ela saiu descalça daquela cabana.

Com os olhos levemente arregalados, ela continuou caminhando para fora daquela pequena casa.

Sangue.
Não era dela, mas havia sangue no chão.
As bruxas de novo.
Os lobos atacavam e tentavam ao máximo proteger as crianças, mas as bruxas continuavam avançando, deixando-os sem espaço para revidar.
Uma das crianças acabou ficando exposta, e num segundo, Samantha conseguiu puxa-lá antes que fosse atingida. Com a crianças nos braços, ela partiu a recolher as outras e deixa-las em segurança, a fim de deixar os lobos lutarem livremente.

Ela era rápida o suficiente para quebrar o cajado de uma bruxa e com a parte mais afiada, ficou o mesmo na barriga da mulher velha.
Um bruxo não perdeu tempo de tentar acerta-la com um raio, mas com a outra metade do cajado, ela o acertou no rosto, derrubando-o próximo à um lobo, que não hesitou um segundo antes de rasga-lo em pedaços.

O sangue dela parecia fogo nas veias, e o coração batia acelerado. Se isto continuasse, ela perderia a calma e aí sim, uma tragédia aconteceria.

Quebrou o braço de uma bruxa que tentava alcançar Jasmine. Os olhos animais brilhavam com o calor da luta e ela rosnou.

"Não interfira nas minhas lutas, criança humana"
- Criança humana que acabou de te salvar, ótaria.

Jasmine rosnou, mas não pensou mais nada que a garota pudesse ouvir, provavelmente a xingando baixinho de todos os palavras possíveis.

Então Samantha viu o lobo branco.
Ele cuidava sozinho de um grupo com seis bruxas mais jovens. E não, nenhuma delas foi parea para ele. Devia ser o alfa daquela alcatéia, considerando que era, sem dúvidas, o mais forte.

Próximo dele, o lobo negro que viu nos pesadelos não ficava para trás e dava cabo de inúmeras bruxas, uma atrás da outra. Ele era forte, e os pelos negros brilhavam manchados com o sangue esverdeado das bruxas mortas.
Ela poderia passar mais tempo observando a violência que emanava daquele lobo negro ao destroçar as bruxas, não que ela tivesse gosto pela violência, ou quisesse ver o sangue verde das bruxas do sul voar enquanto elas morriam, mas ela simplesmente não conseguia desviar os olhos dele.

Até ser atingida, é claro.

O corte profundo que descia do ombro esquerdo ao meio das costas era grande e sangrava de forma absurda.

Oh, céus. Tudo que ela pensava era em como estavam perdidos.

Ao cair no chão, tudo ficou em silêncio. Tanto as bruxas quanto os lobos ficaram chocados com a queda súbita da garota. Até a bruxa que a atingiu começou a rir, fazendo uma explosão de risadas ecoar das suas companheiras.

Enfim, haviam conseguido matar aquela criança mestiça maldita.
Ou, era isso que pensavam.

O risada escandalosa e cruel calou todas as outras e levantou-se lentamente, o sangue manchando as roupas.
Ela ergueu o rosto. O sorriso cruel combinava com o brilho lunático nos olhos que assumiam um tom luminoso de vermelho.

O pensamento de todos naquele momento foi mútuo.
Todos eles iriam morrer.

Boneca ParanóicaOnde histórias criam vida. Descubra agora