O Filho da Montanha

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 O frio tinha dentes cortantes e, naquela manhã, o Irmão Dunnius achou que perderia os dedos dos pés. As sandálias não protegiam contra o ar gelado. A relva coberta de gelo fazia barulho enquanto se quebrava sob as solas, e isso piorava ainda mais a sensação. Ele se agachou para esfregar os pés, na tentativa de aquecê-los, deixando a bainha dos robes encostar no solo. Seu companheiro na tarefa daquela manhã, o Irmão Niccolas, não parecia incomodado pelo frio. 

 Quando notou que Dunnius ficara para trás, também parou de caminhar e se virou, exasperado. As reclamações fizeram uma pequena nuvem de vapor ao deixar sua boca. Niccolas era eficiente e estava ansioso para voltar aos clérigos com a missão cumprida. Dunnius olhou para trás, enxergando as paredes de pedra do mosteiro onde ambos viviam e a face esculpida de São Arnaldo, observando-os de longe, na torre mais alta. 

 Pensou que, como um santo dos pobres e famintos, o bom Arnaldo deveria ter piedade para com um acólito de pés gelados. Um pouco de demora não seria um pecado tão ruim. Ao redor das muralhas do mosteiro, espalhava-se uma pequena aldeia. Dunnius e Niccolas conheciam todas as pessoas que moravam lá; gente que nascera, viveria e morreria sob as vistas do santo na torre. 

Era uma aldeia minúscula, sem nome, cuja população existia em torno das necessidades dos clérigos. Plantavam, criavam animais, costuravam roupas, fabricavam sapatos, forjavam metais e moíam grãos — trocando os produtos de seu trabalho com os religiosos e recebendo deles auxílio espiritual e cura para seus males. Dunnius e Niccolas já haviam deixado a aldeia bem para trás em sua empreitada naquela manhã. Logo estariam em meio ao bosque, perto da estrada, e nunca era bom se afastar tanto. O bosque era perigoso, a estrada era perigosa. 

Monges e aldeões viviam sob a proteção de um santo, mas também sob a ameaça de um algoz. Quando o Irmão Dunnius se ergueu, desistindo de aquecer os pés, ergueu o capuz para proteger a cabeça e avistou o garoto que surgiu correndo de trás do moinho. 

 — Vocês estão indo para o lado errado! — berrou o menino, esbaforido, antes de chegar perto dos dois acólitos. — A última cabra deu a volta no mosteiro, foi para o lado da montanha! 

Niccolas voltou para perto do companheiro, enquanto o garoto tropeçava logo antes de chegar aos dois. — Estão indo para o lado errado! — repetiu, caindo no chão. 

— Já ouvimos, Korin — disse o Irmão Dunnius, ajudando o garoto a se levantar. A missão de Dunnius e Niccolas naquela manhã era localizar cabras desgarradas. 

 O próprio Dunnius deixara uma porteira aberta na noite anterior, e as cabras haviam caminhado a esmo para uma liberdade inconsequente. A dupla já localizara quase todas. Restava uma — segundo o garotinho —, exatamente no lugar onde eles não queriam ir. Nem deviam.

 — A cabra foi em direção à montanha, eu vi! Ela se perdeu das outras. Nunca vão achá-la se continuarem em direção ao bosque.

 Os irmãos trocaram um olhar preocupado. — Tem certeza, Korin? O garoto confirmou com entusiasmo, fungando e limpando as roupas da sujeira da queda.

 Korin, uma das várias crianças da aldeia, estava sempre ansioso por ajudar os clérigos. Filho de um guarda, de alguma forma considerava que a proteção do povo era também seu dever, herdado do pai. Infelizmente, aos 7 anos, podia fazer pouco além de localizar cabras perdidas. 

— Então não resta mais nada a fazer — Dunnius apressou-se em concluir. — Vamos voltar ao mosteiro e dizer ao prior que a última cabra se perdeu. A punição não pode ser tão severa.

 — Nem pensar — Niccolas segurou o outro pelos robes. — Vamos à montanha, Dunnius. 

— Não podemos ir à montanha!

A Lenda De Ruff Ghanor - O Garoto CabraOnde histórias criam vida. Descubra agora