Capítulo sem título 2

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 — Mandei-os buscar uma cabra e me trouxeram um garoto — disse o prior. Dunnius e Niccolas estavam ajoelhados frente ao homem, olhos no chão. Ainda sujos da aventura daquela manhã. Mas pelo menos não estavam mais com frio: a sacristia contava com uma lareira generosa, onde crepitava um fogo confortável. Ao lado dos dois, de pé como uma estátua, o menino desconhecido.

 Não conseguiram descobrir seu nome, pois ele ignorava quando era perguntado. Apenas emitia pequenos grunhidos. Niccolas tratava-o por "menino", mas foi Dunnius quem sugeriu chamá-lo pela única resposta que obtinham dele. Decidiram que seu nome era Ruff. Tinham tentado limpá-lo, e até haviam sido capazes de retirar a maior parte do sangue seco e do óleo negro. Deram-lhe um pequeno robe de monge para vestir, e ele aceitou a roupa. Mas o garoto ainda era o retrato do abandono: magro, cara fechada, manchas por toda a pele.

 — Fico imaginando o que me trariam se os mandasse buscar um garoto — continuou o prior. — Um gigante, talvez?

 — Perdão, prior — disse o Irmão Dunnius. — Devemos levá-lo de volta? 

— Não seja idiota — Niccolas censurou num sussurro alto. 

O prior ficou observando-os por longos momentos, sentado em sua cadeira de espaldar alto. Era o líder do mosteiro, responsável pela vida, pelo treinamento e pela saúde espiritual de todos os homens e mulheres que viviam segundo a Norma de São Arnaldo. Por extensão, também tomava conta dos assuntos da aldeia.

 — Ou talvez, se eu lhes pedisse um garoto, me trouxessem uma cabra! Considero adotar essa estratégia no futuro. Garotos equivalem a cabras. Um cesto de pão pode equivaler a um arenque ou a um barril de tijolos. A vida é imprevisível perto de vocês, irmãos. Os dois sentiram a face ardendo. — O que posso fazer com um garoto? — o prior ergueu a voz. — Preciso de cabras. Não posso prender esse garoto no cercado com as cabras. Não posso alimentá-lo com feno. Certamente não posso assá-lo para um festival! Digam-me, irmãos, para que serve um garoto?

 — Ele matou três lagartos gigantes — arriscou o Irmão Dunnius.

 O prior se ergueu, franzindo o cenho. Era um homem alto, mais alto que qualquer um no mosteiro ou na aldeia. Seus ombros largos assentavam-se sobre um tronco sólido, repleto de músculos antigos. A barba farta e grisalha apenas o deixava mais sério e imponente. Suas sobrancelhas eram grossas e peludas, sua mandíbula era quadrada e monumental. Tinha manzorras fortes e cobertas de calos. Ninguém sabia qual fora a vida do prior antes de chegar ao mosteiro, décadas atrás, mas todos sussurravam que tinha sangue nas mãos. Era um guerreiro hábil e não gostava de falar sobre o passado — a combinação que caracterizava alguém que matara muitas vezes.

 — Três lagartos gigantes! — trovejou o prior. — Um menino magriço, que chegou até nós por meio de uma cabra perdida, matou três lagartos gigantes! Acha que sou um tolo, Irmão Dunnius?

 — Não, prior.

 — Mesmo que isso seja verdade, o que farei com um garoto matador de lagartos? Será que ele vai escoltar monges idiotas quando entrarem no único local em toda a região explicitamente chamado de proibido? Nas incontáveis próximas expedições ao túnel onde ninguém, especialmente monges, pode entrar, o menino será guia e guardacostas?  Silêncio aterrorizado. — Diga-me, Irmão Dunnius! 

— Não, prior! 

— Por acaso enfrentamos uma infestação de lagartos?

 — Não, prior! — Para que serve o garoto, então? 

— Não sei, prior! — o terror na voz de Dunnius era cada vez maior, enquanto o líder do mosteiro parecia crescer. 

— O que enfrentamos, Irmão Dunnius?

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⏰ Última atualização: Sep 08, 2016 ⏰

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A Lenda De Ruff Ghanor - O Garoto CabraOnde histórias criam vida. Descubra agora