IV

32 6 4
                                    

Tiros. Tiros para todos os lados é a visão que temos assim que saímos daquele túnel claustrofóbico.

– Por que eles estão atirando?  – Pergunta Naomi assustada, se agarrando em minha perna esquerda.

– Não sei.. – Pela primeira vez desde que nossa jornada começou, eu não me esforço para esconder meu medo. Afinal, mesmo que eu quisesse, não há esforço que eu faça que possa esconder minha expressão.

– Os botes estão lá! – Olho para a direção que ela está apontando, conseguindo distinguir alguns pontos amarelos por entre os tiros. – E alguns já estão indo embora!

Observo o "campo de batalha improvisado" rapidamente. Os palestinos estão atirando furiosamente com todo os tipos de armas nos italianos, que por sua vez, estão tentando pegar o maior número de mulheres e crianças para coloca-las nos botes. Eles não estão revidando muito, por isso julgo que eles não esperavam essa resposta dos palestinos e portanto não trouxeram armas melhores do que pistolas e algumas metralhadoras.

Por entre os tiros e gritos de dor e sofrimento, consigo ouvir um zumbido ao longe. A princípio eu penso que é apenas algum da minha mente assustada, mas quando eu olho para o céu e vejo três pontinhos pretos se aproximando, sei que se tratam de caças.

– Naomi, há caças se aproximando. Temos que ir agora. – Digo para minha pequena irmãzinha que me observa assustada. – Vamos dar a volta correndo, longe dos tiros. Talvez algum bote consiga nos pegar.

– Tudo bem. Eu confio em você. Sei que vamos conseguir.– Naomi diz e estende sua mão para que eu a pegue.

Olho para os lados mais uma vez e começo a correr como nunca corri antes. Corro até mais rápido do que quando eu participei de uma corrida na escola, onde o prêmio era um livro de história novo e traduzido. Ou mesmo até mais rápido do que quando estávamos fugindo das explosões alguns dias atrás.

Olho para frente novamente, os olhos semicerrados por causa do vento e terra que voam na nossa direção.

Estamos quase lá. Faltam no máximo uns quinze metros. É só correr mais um pouco e..

Uff

Tropeço em algo macio que faz com que eu caia de cara no chão, derrubando Naomi junto, que passa voando acima de mim antes de cair de mal jeito alguns metros a minha frente.

Ao olhar para trás de soslaio, vejo que tropecei em um corpo italiano morto, a garganta sangrando devido a um tiro certeiro na mesma.

Tento me levantar, mas no momento em que tento fazê-lo, uma bala passa raspando pela minha cabeça, arrancando alguns fios de cabelo. Ela passou tão perto que eu posso jurar que até consegui sentir o calor do projétil em minha nuca. Me abaixo novamente em um gesto instintivo e olho para Naomi que também tenta se levantar. Olho para minha direita novamente e, de repente, tudo fica em câmera lenta.

Consigo ver nitidamente quando um palestino destrava sua arma e atira na direção de Naomi. Vejo perfeitamente quando a bala faz seu percurso imponente a qualquer outra distração e se enterra na pele macia de Naomi como uma faca que perfura manteiga. Vejo o sangue vermelho da minha pequena irmãzinha jorrando pelo buraco que a bala fez e em seguida vejo-a caindo novamente, sem forças.

Tento gritar seu nome, mas nada sai da minha garganta entalada pelas lágrimas e desespero. Toda a esperança que eu tinha de sair desse inferno se esvai como quando o ar condensado escapa de nossas bocas no frio e se perde na vastidão do mundo para nunca mais ser visto, sendo assim, ficando impossível de encontrá-lo novamente.

Corro até o corpo inerte de Naomi, sacudindo-o inutilmente, na tentativa de acorda-la. Mas isso não acontece. Eu sei que ela nunca mais vai acordar, não importa o que eu faça.

Uma dor lancinante atinge meu abdômen. Olho para o mesmo ainda desnorteado e vejo sangue. Muito sangue.

Coloco uma mão no local ferido, já sentido a vida se esvaindo de mim. Quando eu recebo outro tiro, desta vez no peito, eu sei que é apenas questão de alguns segundos para eu me juntar à Naomi e aos meus pais no paraíso.

O som dos tiros, explosões e gritos de dor vão ficando cada vez mais baixos e inaudíveis; os caças que começam a metralhar tudo ao meu redor já não fazem mais parte dessa realidade, tudo fica escuro. E eu sei que é o fim.

Israel - Em busca da salvação Onde histórias criam vida. Descubra agora