América

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Havia muito de mim quando Vi América pela primeira vez... Havia muito o que eu não podia dar... muito o que eu não poderia ter... Amor! Manuh Costa.



— Mamãe, já chegou?— Estamos quase chegando meu amor.Manobro o carro por entre a estrada quase deserta, olhando todas essas árvores que transformam todo o cenário ainda mais saudoso na manhã de hoje. Saí bem cedo porque fui avisada sobre o horário de almoço por ligação pela irmã da Duda, ela também me enviou uma mensagem reforçando sobre os horários.Fui convidada para almoçar com a família Carsson e ainda me custa muito acreditar que talvez depois de hoje eu seja considera algo mais que uma simples secretária para Jack Carsson. Somos primos, até então algo irrelevante para ambas as partes, contudo, decidi aceitar o convite então aqui vamos nós. Eu e Haanna estamos a caminho da casa dele nesse exato momento. Dirijo com cuidado, depois que eu fui mãe tomo uma centena de cuidados com uma dezena de coisas quando se trata dela, principalmente com a segurança e os cuidados que devo ter para com seu bem-estar.Isso inclui tentar dirigir dentro do limite de velocidade ou mais devagar, ainda mais em uma estrada como essa que é bem mais afastada da grande São Francisco. Ainda quando pequei a interestadual me perdi por uma estrada e tive que voltar pelo mesmo caminho para pegar a via certa.Jack mora num lugar bem distante de onde fica a BCLT, Maria Eduarda sua esposa me chamou para almoçar com eles hoje, esse é o primeiro final de semana em muitos que eu tiro para algum tipo de evento em família ou apenas lazer, fiquei muito surpresa com o convite dela, também por saber que sou bem-vinda de alguma forma a família deles.Já que não ando sendo bem-vinda em família alguma — inclusive a do meu pai ou a que ele decidiu formar com sua nova noiva — ao menos algum Carsson parece demonstrar carinho por mim e a Duda é assim, desde que ela veio do Brasil e começou a trabalhar na BCLT ela demonstra ser uma pessoa maravilhosa, sempre disposta a ajudar tanto na empresa quanto fora dela. Jack acima de tudo mudou muito depois que se casaram... Ou desde que eles se conheceram, ele hoje é uma pessoa tão diferente do que era quando eu o conheci que as vezes mal acredito.Manobro o carro de acordo com as curvas e o vejo subindo a ladeira cercada por samambaias em árvores altas, fico surpresa em ver a quantidade de carros estacionados no espaço vago diante da casa.Aqui é um lugar perfeito, tão bonito e arejado, seria do tipo de lugar ideal para se morar e criar a Haanna, é uma pena que eu não tenha condições de pagar uma casa dessas. Olho envolta mais uma vez, deve ter uns sete carros de modelos e cores diferentes, todos de luxo, Lamborghini, Ferrari, Audi, carros daqueles que eu sei que só pessoas com muito dinheiro têm condições de manter.— Acho que não seremos as únicas, Haanna.Ela sorri na cadeirinha, sei que não entende por completo o significado disso, mas eu sei e entendo muito bem. Estaciono o meu modelo econômico 2008 mais afastado dos outros carros, Haanna espirra e espirra, ela está gripada, a gripe pegou a nós duas esse mês, melhorei com um pouco mais de rapidez, já ela não, o fato de estar meio frio não ajuda, tive que colocar casacos mais quentes nela hoje. Pego Haanna ao mesmo tempo que vejo um outro carro estacionando não muito afastado do meu, a silhueta perfeita de Joanne Carsson se destaca assim como em dias comuns quando a vejo na empresa, com qualquer roupa, com qualquer joia que seja, assim como a figura de Beatrice Carsson que posso ver no banco da frente ao lado dela, são as outras duas secretárias de Jack, trabalham na filial de Nova York.As vejo sair do carro com bolsas de marcas caras, Gucci e LV, os cabelos de Beatrice são escuros, estão soltos e alcançam sua cintura, é uma moça linda e super engajada enquanto Joanne possui uma classe fora do comum, loira com cabelos em ondas compridas na altura dos ombros. Nunca tivemos contato pessoalmente profundo, meu único contato com as duas depois que comecei a trabalhar na BCLT foi através de e-mail e Skype, contudo, pessoalmente em poucas das vezes que elas vieram pra São Francisco eu falei com elas.É assim mesmo, parece que depois que entra para o clã tudo muda e isso é algo que eu não pretendo mudar na minha vida. Não nasci uma Carsson, meu pai foi rejeitado a vida inteira pelo próprio pai, ele também é um filho não reconhecido dos muitos que foram nascendo frutos dos casos dos homens da família e até mesmo das mulheres. Coloco minha bolsa — nada de marca — em meu ombro e a mochilinha da Haanna também pendurada neste ombro, a pego no colo e a acomodo de lado enquanto vou caminhando rumo a varanda da frente, minha filha me abraça toda irritadinha e sei que apesar de amar passeios, hoje, ela gostaria de ter ficado debaixo dos cobertores. Vim para não fazer desfeita porque sei que Maria faz questão de que eu esteja aqui. Beatrice e Joanne Carsson me olham enquanto se aproximam também, porém não falo nada, acredito que dispensem apresentações uma vez que já nos conhecemos — relativamente — da empresa. Subo os degraus da varanda, sopra um vento forte aqui fora, minha trança basicamente se desmanchou toda, toco a campainha e espero.Arrumo a touca na cabeça de Haanna, ela espirra e coça os olhos. Em seguida diante de mim, Maria Eduarda Carsson surge com um sorriso imenso nos lábios, tento sorrir de volta, sei que Joanne e Bea estão subindo os degraus da varanda atrás de mim, olho para trás e vejo ambas mexendo em celulares, parecem bem ocupadas.Fiz bem em não dizer nada, então.— Oi! — falo meio sem graça. — Cheguei!— Oi, seja bem-vinda! — Duda fala e Haanna sorri para ela instantaneamente. — Oi querida.— Oi — Haanna responde a vozinha anasalada, afetada pela gripe. — Bem-vinda!Estou sorrindo.— Querida era para falar "obrigada" — corrijo. — Eu quase me perdi, sua irmã me ligou avisando do almoço, o senhor Carsson me deu o resto da tarde de folga então eu vim.— Sem problema — responde Duda. — Conhece Joanne e Bea?— Mais ou menos — vejo as outras duas já na varanda. — Elas são filhas do senhor Carsson irmão do pai do meu pai, Senhor Gerald Carsson.Sempre soube que Bea e Joanne também não eram reconhecidas pelo senhor Gerald Carsson quando crianças, tão pouco Helena irmã delas, todavia ao que me parece o senhor Carsson as reconheceu há algum tempo e agora elas entraram para o clã.— É, elas são suas primas — Duda cochicha com a mão no canto da boca, rio. — Oi Bea, Jô!— Trouxemos vinho — Joanne fala com um sorriso bonito nos lábios. — Fazia tempo que eu não via a outra secretária do Jack.— Bem-vindas — Duda abraça uma depois a outra com todo o carinho do mundo. — Vamos entrar, a sua família estranha as aguarda.— Ele está aí? — instantaneamente meu sorriso desaparece. — O meu pai?Tenho até medo de falar essa palavra... Pai.— Está — Duda confirma. — E o seu avô também.Não considero Jeremias Carsson meu avô e nunca considerarei, simplesmente o que ele fez com papai foi imperdoável. Assim como o que eu fiz com papai também foi imperdoável para ele, ao menos em sua forma de pensar, não gosto que ele esteja aqui, me sinto presa a uma pequena armadilha.— Ora deixe disso, a casa é minha e eu convido quem eu quiser, o professor precisa de um pouco de apoio moral aqui.Mas ainda tenho receio.Eu e meu pai não nos falamos há anos, ele simplesmente me odeia e a ideia de que talvez eu esteja aqui vai chateá-lo profundamente, ele tem vergonha de mim e eu não quero também ter que lidar com ele, com sua forma preconceituosa de me ver.— Tem certeza de que...— A Sandy está louca para te conhecer, ela não para de falar que quer ver a Haanna pessoalmente.Isso me surpreende, que a noiva do meu pai queira conhecer a Haanna, nem mesmo ele se deu ao trabalho de querer conhecê-la.— Sério? — indago cheia de receio.— Sério, vamos logo!Entramos e Haanna vai logo pulando no colo da Duda toda alegrinha, creio que a esposa do Jack tem essa coisa de química com crianças, também ela é bem experiente nesse quesito, ela e Jack não têm babás e criam as cinco crianças sozinhos com a ajuda da mãe dela pelo que eu soube, não somos muito íntimas é claro, papai é mais íntimo de Jack e da família dele. Logo de cara quando entramos na sala vejo uma pequena quantidade de pessoas desconhecidas, porém a figura alta e me chama a atenção e fico travada por alguns momentos encarando seu olhar.Meu pai.— Oi pai! — demoro para falar, surpresa em rever alguém tão diferente do que vi durante toda a minha vida diante dos meus olhos. — Nossa, você engordou!— É, ah, oi! — gagueja papai e está sem graça. — Sua filha?— Sim — estou com as bochechas queimando, de fato nem sei como agir, sou tomada pelo nervosismo e medo. — Haanna fala oi para o vovô!— Oi, bem-vindo! — Haanna fala sorridente.Ela não conhece o meu pai, desde que nasceu que ele não faz parte de nossas vidas, na verdade desde muito antes disso, quando disse que estava grávida papai me expulsou de sua vida, se mudou pra Europa onde vivia escondido de tudo e de todos, da grande e imensa vergonha que eu representei para o seu nome.E a mim restou apenas lidar com a vergonha, será que agora ele irá me querer realmente por perto?


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Apenas Sua - Parte 1 - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora