CAPÍTULO 9 - PRATO PRINCIPAL

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O quarto não podia ser mais atormentador, à todo momento Katherine sentia uma presença sobrenatural, e até encontrar velas na gaveta do meio de uma penteadeira velha, seu coração não parou de sentir uma horrível palpitação.

Acendeu as velas por todo o quarto, e assim elas puderam se afastar uma das outras, ainda muito apreensivas. As camas, continham pelo menos um grupo de três ou mais delas.

Katherine optou por ficar sozinha em uma, enquanto sua cabeça martelava, pensativa, deitada de barriga pra cima; os cabelos refletindo à luz das velas trêmulas acesas em sua mesa de cabeceira.

Aquela noite, em particular, estava ainda mais fria, pois a parede de vidro que impedia a entrada de ventos, tinha espatifado-se por inteira por corvos negros que tinham invadido o quarto naquela mesma noite. Reparou que aos poucos, todas as meninas estavam adormecendo.

Uma à uma dormiu, até restar apenas ela acordada. Durante todo o resto da noite, não teve mais nenhum indício de coisas sobrenaturais. Katherine fechou os olhos na escuridão, e os abriu irritados pelos raios de sol que entravam no quarto. Foi só quando se levantou e foi em passos lentos até o espaço que era preenchido pela parede de visão panorâmica quebrada na noite anterior para encarar o milharal seco, que ela lembrou-se de Oscar — o cachorro buldogue dos falecidos. Olhou para o chão, a uns seis metros abaixo, e saiu do quarto lançando olhares as meninas que permaneciam dormindo. Desceu a escada de madeira, e segundos depois, estava do lado de fora sendo acariciada pela brisa fresca da manhã. O cachorro estava  ainda amarrado na árvore seca, com um aspecto fúnebre. Ela o encarou pensativa, e alguns segundos depois, entrou novamente no orfanato. Pegou um objeto da cozinha, e voltou para a área externa. Se concentrou em um pensamento específico sobre o que lera em um dos livros da sala secreta, e de forma abrupta, apunhalou o cachorro com um golpe no pescoço que soltou um grito horrível de dor.

Será que animais também poderiam ser entregues ao inferno? Ela só queria viver normalmente, mesmo que aquilo lhe custasse a vida daquele pobre animal. Soltou um choro de arrependimento, mas demasiado tarde. O cachorro agora dormia pela eternidade, com o corpo indolente e sem vida no chão.

Quando chegou ao quarto, algumas das meninas já estavam levantadas com um aspecto estonteante. Madeleine veio ao encontro de Katherine, que perguntou:

— Notou alguma coisa esquisita nessa manhã?

— Não. Apenas Abel, que continua à dormir desde que foi usada para nos dar aquela mensagem — respondeu Madeleine.

— Vamos aguardar até o escurecer, se alguma coisa acontecer… — Katherine hesitou olhando para além do milharal seco, visível pelo fundo do quarto nu.

— E se sairmos daqui, antes da noite de amanhã? — animou-se Madeleine.

— Não iria adiantar. Espíritos desse tipo não assombram lugares, e sim pessoas. Nos seguiriam até conseguirem o que querem: nossa alma.

— Ando desde ontem pensando, que se não conseguir-mos uma solução melhor… — ela  olhou para as meninas, e em seguida voltando o olhar para Katherine disse: — Alguma de nós terá que…

— Não pense nisso. É melhor todas nós irmos comer alguma coisa.

— Lile está desde ontem sem ir ao banheiro, temendo que alguma coisa possa lhe acontecer por lá.

Lile era a caçula do orfanato.

— Vá até lá com ela. Eu e as outras vamos descer.

— Tudo bem.

As meninas desceram a escada, todas com um aspecto muito sombrio, e Katherine pediu para que todas ficassem na mesa de jantar enquanto ela e Madeleine que voltara do banheiro com Lile, iam aprontar algo para comerem.

— Eu vou — disse Katherine enquanto as duas se ocupavam em preencher pães com ovos mexidos.

— Vai o quê? — perguntou Madeleine sem entender.

— Vou me e entregar…

— NÃO! — protestou Madeleine encarando Katherine com um olhar tenso. — Vamos dar um jeito. Você mesmo disse… temos que dar!

— Eu matei Oscar.

Madeleine à encarou. E Katherine prosseguiu:

— Espero que sua morte adiante de alguma coisa. Se não adiantar, não terá outra solução à não ser... você sabe.

As duas preencheram bandejas com os pães, e um bule de chá. Mas quando cruzaram o portal da cozinha, e avistaram a mesa da sala de jantar, não gostaram nada do que viram. As bandejas caíram de suas mãos, e o barulho das xícaras de porcelana tilintaram por todo o orfanato. Na comprida mesa de madeira, achava-se o corpo mole e ensanguentado de Oscar, enquanto as meninas sentadas estavam paralisadas com os olhos de desespero encarando o cadáver do animal.

Katherine gelou, seu estômago revirou.

— Meninas — disse —, vão todas lá pra cima!

Olhou para Madeleine que estava congelada, e disse:

— Você também.

Katherine acompanhou com o olhar as meninas anestesiadas de pavor até sumirem pela porta do dormitório. Em seguida fitou o cachorro durante meio minuto, até meter a mão no bolso da roupa e reler o trecho da folha rasgada:

Espíritos malignos só podem ser exterminados com um suicídio de entrega ao inferno…

Com a folha espremida na mão esquerda subiu as escadas decidida. Cada degrau era uma tortura, cada segundo se tornava minuto. Cruzou a porta do dormitório, encarou o fundo completamente nu sem a presença da parede de vidro, e com um enorme grito correu desesperadamente em direção ao fundo do quarto. As meninas se entreolharam. Sabiam o que Katherine queria fazer. Katherine estava à dois metros de queimar eternamente no fogo do inferno, quando Madeleine soltou um grito e correu arrebatamente até ela. O pé esquerdo de Katherine pisou no ar e ela deslizou em direção ao chão à seis metros. Madeleine agarrou em seu braço direito, e ela ficou pendurada ao ar, enquanto Madeleine se esforçava ofegante, e com os olhos exageradamente saltados em segurá-la; os joelhos curvados ao chão.

As outras meninas correram em direção as duas, e com o esforço de todas, Katherine foi arrastada até o piso sólido do quarto.

O MISTERIOSO ORFANATO DE MADAME LAURINE (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora