Não deixe acontecer

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Minha última memória foi Jon indo embora e me olhando, não com cara de arrependimento, mas de nojo. Nunca me arrependi tanto de ter confiado em alguém. Mas, agora era tarde. Usei minhas últimas forças para me arrastar pelas ruas escuras, usava os cotovelos e as mãos para me dar impulso. Eu chorava a cada metro que me arrastava. As poucas pessoas que passaram por mim, julgavam-me uma mendiga ou algo parecido, alguns até jogavam moedas. Quando tentava usar minha voz para gritar por ajuda, nada saía, eu só lembrava do momento, da dor.
Quando finalmente consegui ficar de pé, minhas pernas pareciam mortas comparadas ao resto do meu corpo, cambaleava pelas ruas, me segurando em postes e paredes. Não tinha mais medo de ver algum tipo de demônio na próxima esquina, tinha medo de encontrar aqueles monstros de novo. Ainda estava longe da Torre, mas podia ver uma parte dela graças ao seu tamanho enorme, mas não sabia se minhas pernas conseguiriam aguentar. Caí ajoelhada olhando pros meus pulsos, com marcas roxas e manchas de sangue, meu sangue.
Fiquei encosta na parede mais próxima, abraçando os joelhos contra meu corpo.
Faróis fortes fizeram sombra do meu corpo. Tentei olhar direto para o carro, mas era como se estivesse passando por aquela noite há dias, meus olhos doíam. Ele parou na minha frente, uma senhora desceu. Ela tinha cabelos ruivos com alguns fios brancos, era mais baixa que eu, com dobrinhas pelo corpo e um suéter que a aquecia.
– Minha jovem, o que aconteceu com você? – ela perguntou se aproximando, mas não consegui responde-la. – Não pode ficar aqui.
Ela me levantou e me levou até o carro, me deixou confortável no banco e me pôs o sinto.
– Onde você mora? – ela se acomodava no banco enquanto me olhava.
Ainda não tinha forças para falar, mas consegui apontar para Torre .
Ela pareceu intrigada, mas não poupou perguntas.
– Você mora lá? Naquela torre?
Balancei a cabeça afirmando. Ela parecia prestativa, sorriu e começou a dirigir na direção da Torre. Talvez o mundo não estivesse totalmente perdido.
– Qual o seu nome? Tem alguém que você conhece morando lá?
– Ra...Raven, meu nome é Raven. – fiz força para falar e sorri como um gesto de agradecimento.
– Certo, Raven. Meu nome é Vee, mas pode me chamar de Red, é assim que a maioria das minhas amigas me chamam. – ela ri um pouco. – Por causa do cabelo e tudo mais.
Até meu sorriso fazia todo meu corpo doer, mas era bom sorrir para alguém como ela.
– Então, é aqui. – ela parou em frente ao muro que rodeava a Torre e me tirou do carro com cuidado, me apoiando enquanto andávamos até o portão.
– Obrigada por me ajudar.
– Parece que alguém fala. – ela solta uma risadinha. – Tudo bem, querida.
– Minha vizinha poderia ser legal como você. – eu sorrio com ela.
– Eu gosto de ajudar as pessoas, e além de tudo, estou devendo uma a sua mãe.
– Devendo?
– É, você sabe, por ter quase matado ela de tanto socar a cara dela. – ela olha pra mim, sorrindo.
– O que você... – paro de falar quando me dou conta. – Você!
– Sim queridinha, eu mesmo. – os olhos amarelos surgem novamente para me assombrar. – Eu avisei para não sair, mas parece que você não escuta os mais velhos.
– Você... você é um monstro. – eu tropeço e caio desorientada.
– Querida, não vai querer se machucar. – ela me levanta.
– O que fez com essa mulher?
– Não se preocupe, vou largar o corpo dela em qualquer lugar quando te levar de volta.
Eu olhava pro chão, atordoada com tudo aquilo. Robb surgiu abrindo o portão e correndo para nos ajudar.
– Raven? O que aconteceu? – ele perguntava olhando nos meus olhos paralisados.
– Oh querido, eu achei ela na rua desse jeito. Ela me disse que morava aqui, então tentei ajudar trazendo ela pra cá.
– Muito obrigado, Senhora. Você não podia ter feito coisa melhor. – ele falou me apoiando e deixando-a livre.
– Não foi nada, querido. Faço tudo para ajudar uma amiga. – o sorriso diabólico permanecia até mesmo em outro corpo. – Até mais, Raven.
E eu vi o portão se fechar enquanto aqueles olhos se despediam de mim, como se não fosse demorar muito tempo para nos reencontramos de novo.
Robb me levou pra dentro com pressa. Sentou comigo e ficou me olhando sério, com dúvidas e mais dúvidas.
– Raven, vamos, me diga o que aconteceu. Fiquei acordado a noite toda preocupado, não me deixe sem respostas. – ele falava com uma expressão tensa.
Meus olhos estavam paralisados, olhava fixamente para o chão. Tanta coisa, tantas pessoas e tanto sofrimento para assimilar.
– Não deixe acontecer de novo. – falei começando a chorar.
– O que? O que não pode acontecer?
– Não deixe acontecer de novo, por favor, não deixe. – abracei ele com força, já com as bochechas vermelhas e as lágrimas descendo.
– Tudo bem, tudo bem. Você está segura, eu vou te proteger. – ele me abraçou e apoiou sua cabeça na minha.
Agora sim, sei que essa foi a noite mais longa da minha vida. Depois de tudo isso, Robb dormiu me abraçando. Fiquei acorda observando a parede de vidro enorme da sala, dali eu conseguia ver toda a cidade, agora com o sol raiando a vista é ainda mais bela, e mais dolorida para meus olhos. Fico imaginando onde minha mãe poderia estar, como eu vou encontra-la. Pelo menos sei que tenho alguém para me ajudar, mas e se isso durar para sempre? E se ela sumiu para sempre?
– Eu vou te encontrar. – falo fechando os olhos e caindo no sono.

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