effronté | h.s.

capítulo um.

Meus dedos estão formigando enquanto digito as últimas palavras da minha redação. Eu deveria ter feito isso semana passada mas digamos que eu não funcione dessa maneira, nunca faço nada com antecedência e por isso sempre acabo me enrolando nas datas de entrega de alguns trabalhos. Não é algo de que me orgulho e eu provavelmente deveria tentar mudar isso mas, eu sou quem eu sou, certo?

Tiro meus óculos e os coloco próximo aos meus livros enquanto checo meu celular pela primeira vez esta tarde. Não é como se eu estivesse perdendo muita coisa na verdade, tem uma mensagem da minha mãe dizendo que está de plantão por isso não voltará para casa hoje e outra do meu pai dizendo que deixou dinheiro na cozinha para eu pedir alguma coisa pra comer. Outra típica noite de quinta-feira.

Depois de uma ducha gelada, peço uma pizza e enquanto espero ponho um filme qualquer que eu já tenha visto na Netflix. Mia, uma amiga da escola, está num retiro cristão ou alguma coisa relacionada a igreja (não estava prestando muita atenção quando ela disse) por isso não posso chamá-la para vir pra cá.

Eu gosto de ficar sozinha mas às vezes não é tão bom quanto ter alguém pra conversar. Pauso o filme no mesmo instante que ouço alguém tocar na porta, estou morrendo de fome.

Foi um pouco constrangedor ter que explicar para o entregador que na verdade estou morando na casa de hóspedes de alguém. Especialmente por quê ele não parecia entender uma palavra do eu dizia então eu tive que repetir a mesma coisa muitas vezes.

Não consigo disfarçar a decepção no meu rosto quando abro a porta e encontro Dylan, ele parece estar tão incomodado quanto eu.

"Mamãe quer que você jante com a gente."

"Tá tudo bem, eu pedi uma pizza."

"Olha, eu não ligo, só estou dando o recado." ele revira os olhos. "Você vem ou não?"

Ele está mais irritante do que me lembro, se é que isso é possível. Acho que passar o verão com seu pai na Flórida não deve ter sido tão bom.

Faço uma ligação para a pizzaria cancelando meu pedido e acompanho Dylan até a casa principal, onde seus pais nos esperam. Passamos pela piscina e mal posso esperar até todos irem dormir. Faz um tempo que não dou um mergulho e está tão quente ultimamente. Alice diz que posso usar a piscina sempre que eu quiser mas tenho vergonha demais para deixá-la saber que eu realmente a uso.

Meus pais são amigos de Christopher e Alice desde antes de eu nascer e esta é a única razão pela qual meu pai concordou em ficar na casa de hóspedes enquanto nossa casa não está em condições muito boas. Alguma coisa no encanamento que eu não me importei muito em saber mas não ficaremos por muito tempo, papai é orgulhoso demais para deixar que isso aconteça.

"Jo, querida!" Alice me cumprimenta com um abraço, ela é uma pessoa que gosta de abraços, e eu nem tanto. Mas mesmo assim ponho meus braço ao seu redor de uma maneira muito esquisita e dou um tapinha nas suas costas.

O que foi isso, você é alguma retardada?

"Sente-se, sente-se, já vou servir o jantar."

"Eu tinha pedido uma pizza, não queria incomodar."

"Querida, não é incomodo algum." seus cabelos castanhos brilham enquanto ela anda da geladeira para o fogão e de volta para a geladeira novamente. "Vamos, não quero que coma sozinha, não há necessidade."

Ofereço ajuda mas ela me manda sentar imediatamente, o pestinha está hipnotizado pelo video game em suas mãos, irritado, até Alice pedir para que ele guarde o aparelho. Acho que ele não devia estar com muita sorte.

A mesa está repleta de comida, quase um banquete o que é estranho considerando que apenas três pessoas comeriam até então, mesmo uma delas sendo um garoto em fase de crescimento. Não cheira melhor que uma pizza gigante coberta de queijo mas me parece bom também.

Me sirvo de um pouco de cada coisa, estou morrendo de fome mas não quero parecer uma esfomeada que está há 8 horas sem comer. Não que eu esteja contando.

"Harry chegará às 10h." Alice diz antes de tomar um gole do seu vinho.

"Ele tem as chaves mas posso tentar chegar mais cedo." Christopher diz imitando seus movimentos logo em seguida.

"Jo, como vai a escola?"

"Bem, eu acho."

"Por quê ninguém me pergunta como eu estou indo na escola?" Dylan questiona parecendo realmente incomodado.

"Querido, eu sei como você está indo na escola. Acredite." ela encara os olhos castanhos do filho por um breve momento, como se quisesse que ele soubesse que ela sabe de alguma coisa. Não é um olhar muito amigável. "Tire o cotovelo da mesa." ela aponta com o garfo, mantendo os cotovelos baixos, antes de levar um pedaço da carne até sua boca.

Ela consegue ser bem intimidante quando quer. É um pouco constrangedor jantar com eles já que com certeza não temos nada em comum logo não temos nada para conversar causando um silêncio desconfortável na mesa.

"Joane, você se lembra do Harry?" Christopher decide acabar com todo aquele silêncio.

"Não muito." encolho meus ombros quando digo.

"Claro que não lembra! Vocês eram muito pequenos quando você se mudou." Alice ri.

Sempre que mencionam Harry sinto como se ele fosse um parente distante que eu raramente vejo, quero dizer, nunca vejo o que é estranho já que como Alice disse, eu era muito pequena. Acho que o fato dos nossos pais serem tão amigos é a razão pra eu me sentir desse jeito.

Quando eu tinha três anos meus pais tiveram que se mudar para a França. Minha mãe não é cidadã americana e na época ela estava tendo complicações com o green card. Tivemos que ir morar com a minha tia até que tudo estivesse resolvido, o que não levou muito tempo mas meus pais gostaram tanto de lá que decidiram ficar por doze anos.

Há fotos de Harry espalhadas por toda a casa e seu quarto é cheio de medalhas, Alice adora nos contar o quanto Harry nada bem e que até ganhou uma bolsa de estudos integral na Yale por causa disso. Particularmente eu não acho que eles teriam algum problema em pagar por uma faculdade como a Yale mas tudo que é de graça é melhor, certo? Até mesmo se você for muito rico.

Amanhã será... Interessante.

{13/10/17}