Capítulo I

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Acordei com um rebuliço na casa. O despertador não tocou. A pressa e o stress eram evidentes apenas pelo tom de voz que conseguia ouvir a partir do meu quarto. Toda a família estava atrasada. Uma bela maneira de começar a semana.

Era segunda feira. O meu mau humor estava extremamente notável hoje. Era apenas mais uma manhã de sono de segunda feira desperdiçada. Só tenho aulas de tarde, mas os meus pais e os meus irmãos tem todas as manhãs ocupadas. Finalmente ouvi a porta a bater. O rebuliço estava terminado. O barulho acabara. A porta volta a abrir e eu volto para debaixo dos lençóis. O Paulo esqueceu-se de alguma coisa, como já é habitual. Levanto-me quando oiço o carro arrancar, por precaução. Não estou com vontade de falar com ninguém. A minha cabeça está prestes a explodir. E ainda é de manhã. Como vou aguentar o dia?

Preparei uma chávena de leite com café, enrolei-me na manta e apoderei-me do sofá. Tinha a casa só para mim e não conseguia dormir mais, talvez passasse as próximas horas a ver um filme ou a ler algum livro. Nada de novo na televisão, os mesmos filmes da semana passada. Optei pela leitura. Comecei um novo livro na quinta feira e estava bastante curiosa em relação aos próximos capítulos. A caminho da estante tropecei em alguma coisa, e inevitavelmente caí. Bati com a cabeça na porta do escritório do meu pai e vomitei o leite que tinha bebido uns minutos antes, ali mesmo, no meio do chão do corredor. Ainda não me sentia capaz de me levantar, por isso encostei-me à parede, com a cabeça entre as minhas mãos. Quando finalmente senti que as minhas pernas suportariam o peso do meu corpo, levantei-me e fui buscar alguma coisa para limpar aquilo, visto que o cheiro já estava absolutamente insuportável. O quanto eu odeio limpar! Tinha, ainda, que lavar o tapete e coloca-lo na maquina de secar antes que a minha mãe chegue do trabalho. Ao levantar aquele tapete laranja, oiço algo tilintar na tijoleira. Era a chave do escritório. A chave do local onde todos cá em casa estávamos proibidos de entrar, exceto a minha mãe e o meu pai. O que estaria lá dentro? Aquela era a chave do passado desta família devastadora. Aquela era a chave que descodificaria a minha vida. Aquela era a chave que guarda todos os segredos. A chave que procurei durante estes 17 anos, durante toda a minha vida.

Ali fiquei, estupefacta a olhar para aquela chave, sem saber o que fazer. Peguei na chave. Voltei para a sala. Deixei-a em cima da pequena mesa e sentei-me no sofá novamente, continuando a olhar para ela. Não posso entrar lá. E se o meu pai descobre que andei a vasculhar as coisas pessoais dele? E se a minha mãe decide voltar para casa antes da hora do almoço? E se o meu irmão, Paulo, volta da escola mais cedo? Todas estas perguntas que tomavam conta dos meus pensamentos neste momento eram a personificação do medo. A verdade é que estou cheia de medo. Medo porque não sei o que lá vou encontrar. Estarei preparada para descobrir toda a verdade? Será que quero descobrir a verdade? Uma coisa é certa. Assim que abrir aquela porta, assim que leia a primeira palavra da minha historia, não poderei voltar atrás. Tudo fará sentido. Ou talvez não.

Passei os últimos anos a tentar imaginar o que estaria naquele dossiê que me lembro de ver quando tinha à volta de quatro anos. Lembro-me das idas frequentes ao tribunal. E cada vez que as refiro é-me dito que são apenas fruto da minha imaginação e que, na realidade, nunca entraram num tribunal a não ser para acusar alguém. Sim, uma vez que o meu pai, Srº Magalhães é advogado de acusação. Conheceu a minha mãe no primeiro caso que teve. Era advogado de acusação no processo que a minha avó tinha contra o meu avô. Violência doméstica. Ganhou o caso. Como tal a minha avó convidou o advogado para almoçar lá em casa. A minha avó era assim mesmo, feliz. Vivia a vida intensamente e da melhor maneira possível. Aproveitava tudo até ao ultimo segundo. Adorava ter a casa cheia e convidava para almoçar todos aqueles que lhe proporcionassem o seu bem-estar. E aquele advogado mudou a vida dela. Deu-lhe liberdade. Tudo o que ela sempre desejou. E assim aquele advogado algarvio conheceu a excelente doutora Margarida. Na altura ainda a tirar o seu curso de pediatria na universidade de lisboa. Era uma paixão proibida. Os pais dele eram ambos juízes. Uma família com muitas posses monetárias, com tradições que faziam questão de seguir. O meu pai, seu filho mais velho, foi o único a quebrar essa mesma tradição. Casou com uma jovem lisboeta, recusando casar-se com a rapariga algarvia que o pai lhe arranjou.

Esta é a historia que ouvimos sempre que alguém pergunta algo acerca do passado. Em relação a nós? É muito simples, em primeiro nasceu o meu irmão Paulo. Depois nasci eu. A seguir a pequena Filipa. E por fim a adoção do Martim. E é tudo o que precisamos de saber, acham eles.

A curiosidade é tanta... Posso nunca mais vir a ter esta oportunidade. No entanto, posso também desejar nunca ter tido esta oportunidade. A minha escolha trará consequências. Mudará todas as rotinas.

Subitamente, um som assusta-me. Deixo cair a chave por entre as minhas mãos, e o tilintar da mesma no chão ainda me assusta mais. Era o telefone. Ligaram do hospital da minha mãe. Desligo a chamada e volta a tocar. Era do escritório de advogados do meu pai. Outra chamada, desta vez do colégio dos meus irmãos. Todos se questionavam do mesmo. O porquê de nenhum deles ter aparecido no local para onde se dirigiram à 4 horas atrás. Onde estarão eles?

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⏰ Última atualização: Oct 27, 2016 ⏰

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Hope - A rapariga que queria conquistar o mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora