Malvadeza

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— Merda! Merda, Mônica, por que você fez aquilo?

Em resposta, a jovem mulher abriu os olhos, grandes pérolas que pareciam ter como íris o chocolate mais apetitoso, e que a um momento estavam quase fechados. Ela sorriu, com ares de moleca zombeteira, colocando o indicador no lábio inferior e fazendo trejeito de geniazinha de antigo seriado de TV, enquanto pensava por um momento e então dizia, faceira:

— Impulso! Compulsão! — Mas o que ela queria mesmo, com o sorriso brejeiro, era que ele visse bem seus caninos, e encarasse a verdadeira natureza dela. Dane-se se ele sentia nojo, ela era o que era, e pronto. Aquele crápula arrogante haveria de engolir tudo o que Mônica significava, quisesse ou não.

O Agente Investigador Eduardo Araújo Weltman ficou calado, encarando-a do alto, pois ele estava de pé, ela sentada. Olhava para ela como quem observa fera traiçoeira. Mônica devolveu ao homem um olhar enviesado e, com menosprezo e ironia, disse:

— Eu fiz meu trabalho, Edy. E você, pode dizer que fez o seu?

— Monstro... — Disse ele, entre dentes.

— Então o que vai fazer lá dentro diante da Comissão? Se fosse me crucificar, teria trazido consigo a gravação. Cadê a gravação?

Ele estreitou os olhos, e respirou profundamente, lentamente. Era um homem charmoso, de traços fortes e masculinos, temperado por um sutil e envolvente ar de atrevimento. Eduardo tinha o que as mulheres chamavam de um belo sorriso, e onde as mais atentas e ardentes viam uma boca carnuda, convidativa. A cereja do bolo, segundo Mônica, era o fato de que Weltman, no fundo, sofria de timidez. Até mesmo seu sorriso era um tanto contido. Tímido.

Naquele momento, no entanto, ele não sorria. Estava sério, carrancudo, enquanto girava nos calcanhares, buscando um dos sofás. Eduardo parecia tentar dizer algo que não conseguia expressar, e ficaram, então, se encarando, a meio metro um do outro. Agora ambos estavam sentados, na luxuosa antessala da Comissão. Ambos agentes, ambos cientes que seriam interrogados acerca de uma missão que acabou em um banho de sangue, e que isso talvez lhes custasse bem mais que suas carreiras. Havia um clique-claque em algum lugar, de algum relógio fora de vista, e nada mais, apenas o silêncio. Mônica ameaçou dizer algo, mas Weltman se levantou e foi falando:

— Eu... Destruí o CD com a gravação. Mas fora isso, vou cumprir meu dever lá dentro. E pedir meu afastamento da DCOR imediatamente. É através da DCOR que mantenho minha ligação com os Dragões Vermelhos.

Ela ficou olhando para ele por um momento, as sobrancelhas erguidas. Não obstante sua aparência tão jovial, Mônica estava viva há sessenta e nove anos e, apesar disso, nada saia de sua boca, enquanto ele afirmava que iria embora. Ficou então séria, não tinha vontade de sorrir, nem mesmo para irritá-lo, e deu de ombros, virando o rosto. Se ele queria ir para o inferno, que fosse, disse com veemência para si mesma. Ainda assim, seus olhos procuraram os dele, de soslaio, as sobrancelhas arqueando-se novamente, os cantos da boca repuxados ligeiramente para baixo.

Então a ampla porta metálica da sala de inquéritos da Comissão Gestora de Assuntos Estratégicos se entreabriu, e um assistente pôs metade do corpo para fora. O jovem moço avaliou por um segundo a mulher sentada. Na verdade por bem mais do que um segundo, depois disso o rapaz olhou para Eduardo, e voltou a fitar Mônica. Sabedora do efeito que causava, e, como quem aplica golpe de misericórdia, ela sorriu graciosamente para o jovem. Este, sem olhar para Eduardo, tentou oferecer o seu melhor sorriso de volta para Deveraux, enquanto foi dizendo para o outro ocupante da antessala:

— Agente... Weltman? O senador Coriolano pede que o senhor entre primeiro.

Eduardo imediatamente se levantou, ajeitou a gravata de seu terno, e fez um sinal impaciente para que o jovem auxiliar entrasse primeiro, e entrou a seguir. Diante das costas largas do homem que iria enfrentar a temida Comissão agora, Mônica Alencar Deveraux suspirou, com seus grandes olhos ainda maiores, e murmurou para si mesma:

MônicaOnde histórias criam vida. Descubra agora