Capítulo 4

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   Meus pulmões sedentários gritavam por socorro, nunca corri tanto em toda a minha vida.

— Senhor, misericórdia!

Gregory se jogou na grama em frente a minha casa, com os braços e pernas abertas. Me atirei ao seu lado logo na sequência. Passamos longos minutos ali, ofegantes, rindo e incrédulos com o que acabamos de fazer.

— Não acredito que quase fui presa por jogar ovos! — disse, em meio aos risos.

— Seríamos presos por vandalismo, isso sim. Essa é a última loucura que vamos fazer com esse garoto!

— Não minta para si mesmo, a gente nunca resiste.

— É verdade, né?! Que trouxas — Gregory cheirou os próprios braços — Aí, vamos entrar. Preciso de um banho, estou fedendo.

— Está mesmo — nos levantamos — Em silêncio, por favor. Vão me matar se me verem chegando a essa hora e nesse estado.

Ele abriu a porta lentamente, tentando não fazer nenhum barulho. Entramos e seguimos nas pontas dos pés em direção às escadas. Entretanto, o nosso esforço não valerá de nada, porque o meu pai saiu da cozinha naquele instante. Ele cruzou os braços e me fuzilou com o olhar. Suspirei, cabisbaixa, e dei dois passos para trás.

Gregory pediu licença e dirigiu-se até o meu quarto.

— De novo, Emma? — questionou o meu pai.

— Eu só estava com os meus amigos.

— São quatro da manhã, e você está bêbada. Nem preciso chegar perto de você para sentir o cheiro de álcool... E de ovo? Por que está fedendo a ovo? — ele caminhou lentamente até o outro lado do cômodo, enquanto passava as mãos pelo rosto. — Por que você faz essas coisas?

— Por que você só lembra que eu existo quando faço algo de errado? Corta essa.

Corta essa? O que você acha que as pessoas vão pensar vendo a minha filha bebendo na rua uma hora dessas? E o que você pretende fazer da sua vida agindo dessa maneira? Pense um pouco mais no seu futuro.

— É claro — soltei o ar pelo nariz, como um riso irônico. — Às vezes eu esqueço que a sua verdadeira preocupação é com a nossa imagem neste bairro de merda. Aliás, é um pouco tarde para se preocupar com o que eu quero ou não para a minha vida, deveria ter pensado nisso antes. Sei lá, se estivesse presente, você saberia o que eu quero. Talvez saberia de qualquer coisa sobre mim.

A verdade é que eu estava totalmente perdida em relação ao meu futuro, mas nunca admitiria isso para ele.

Raymond encarou-me, sem proferir uma palavra sequer. Balancei a cabeça e subi as escadas. Atravessei o meu quarto depressa, ignorando Gregory que lutava contra o sono e me tranquei no banheiro do meu quarto em seguida.

Meu pai era a minha maior decepção. Uma presença ausente para mim. Sempre morou comigo, mas nunca esteve comigo totalmente.

Não sei ao certo como essa relação me afeta, mas eu sempre senti falta dele. Em algum momento das nossas vidas, ele se afastou, porque me lembro de ter o meu pai por perto quando era criança. Melhor dizendo, sinto falta dos momentos que tive com ele, mas que deixaram de existir. Sinto falta das memórias que eu sei que poderíamos ter criado juntos conforme eu crescia. Até hoje não consigo entender o que aconteceu com a gente, o motivo dele ter se afastado de mim e de Brian.

De repente, eu percebo como esses sentimentos me consomem. Meus olhos estão cheios de lágrimas e as minhas mãos trêmulas quando abro a última gaveta para pegar um cantil de whisky que guardei esta semana. Bebo-o rapidamente, pensando no fracasso que estou me tornando. Pensando no que será da minha vida, pensando se um dia eu vou ser capaz de deixar ela dentro dos trilhos.

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