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(por Elisa)

Estou levemente confusa quando abro os olhos. Minha glamorosa roupa fui substituída por um vestido longo todo branco e sem graça. Tento reconhecer o território, mas estou certa de que nunca coloquei os pés aqui antes. Nunquinha mesmo, eu me lembraria. Há muita luz, muito branco e uma música de fundo que me faz bocejar. Harpas? Alguém ainda toca harpas? Parece que fui catapultada para outro século, isso sim. Não há ninguém ao redor e isso começa a me incomodar. Forço minha voz e ela sai rouca, além de insegura:

− Alguém? – perguntou, vasculhando o local com o olhar curioso. Do nada, (EU JURO QUE FOI DO NADA) surge um homem. Dou um grito, um passo para trás e levo as mãos ao peito, tudo ao mesmo tempo. – Meu Deus, você me deu um susto!

− Vamos deixar Deus fora disso, por ora – responde com uma voz altiva e muito suave. Estreito o olhar na sua direção, avaliando-o, e posso afirmar que o tipo de beleza que ele possui não se vê mais por aí. Seus fios louros estão penteados para trás com perfeição. Seu sorriso reluz mais que o próprio sol em dia de verão. Sua roupa é tão impecavelmente branca que me dá nervoso.

− Onde estamos? – pergunto, interrompendo minha análise do sujeito.

− Estamos na sala de conciliação do Paraíso – ele responde com cautela. Reviro os olhos em sua direção, mas ele não me dá espaço para mais nada além disso. – Sou Ezequiel, seu anjo da guarda – eu rio abertamente e quero exigir uma explicação sensata, mas o atraente homem que alega ser meu anjo não me permite. – Vamos direto ao que importa? – é uma pergunta retórica, Ezequiel não espera nenhuma resposta. – Sua vida foi interrompida antes de um grande feito. Não foi nada justo, e muito menos legal, mas os planos do Cara Lá de Cima podem ser confusos, às vezes. A questão é: você enganou muita gente, Elisa. Mentiu, trapaceou, foi desonesta... E por isso, sua estadia no Paraíso ainda não foi aprovada. Você, no entanto, não teve tempo para se redimir em vida. Na tentativa de sermos justos, lhe daremos uma nova oportunidade. Tudo o que você precisa fazer é retomar sua vida por vinte e quatro horas e proporcionar prazer sem medidas ao jovem Tomás.

− Hm, deixa eu ver se entendi... Eu estou morta, você é o meu anjo da guarda e tudo o que eu preciso fazer para descansar em paz no Paraíso é proporcionar prazer a um cara? – rio, achando tudo meio irônico. Sei que vou tirar de letra. Ezequiel assente, abre a boca para dizer algo mais, mas se contém em seguida.

− Não vá pensando que é tão simples... Tomás tem vinte e dois anos, uma fortuna, uma beleza irresistível e ainda assim nunca foi capaz de sentir prazer com nenhuma mulher.

− Talvez ele seja gay... – pondero, incerta sobre ser capaz de cumprir minha missão nessas circunstâncias.

− Não é o caso. Ele mesmo já tirou a prova. Não sabemos ao certo porque o pobre rapaz não é capaz de desfrutar dos prazeres mundanos, mas sabemos que se existe alguém capaz de reverter essa situação, esse alguém é você.

(por Ezaquiel)

Elisa estufa o peito e está toda orgulhosa de si. Massagear o ego dos pupilos antes de lhes jogar uma bomba é uma ótima estratégia para evitar que guerras colossais estourem bem diante dos nossos olhos. Eu tenho certeza que ela vai pirar assim que eu soltar a informação completa, mas sabiamente resolvo deixar essa parte para o final. A mulher de quase três décadas de vida me enche de perguntas, na tentativa de saber um pouco mais sobre Tomás e sobre o fato de ele ser incapaz de sentir prazer. Apesar de ter observado diversas performances de Lizbeth com seus clientes, não me sinto apto para palpitar sobre a vida do jovem bonito e rico. Minhas informações são limitadas, Elisa precisará se contentar com isso.

− O gatinho rico e bem apessoado sente prazer e eu terei uma vida de descanso eterno? É só isso mesmo? Você não está me escondendo nada? Onde devo assinar?

− Não precisa assinar nada. Apenas vá e faça seu trabalho – espalmo a mão direita em suas costas e começo a guiá-la em direção a saída. Respiro fundo e me preparo para a informação final. − Um último e pequeno detalhe, querida: Você precisará fazer tudo como Elisa. Nada de se transformar em Lizbeth – ela está pronta para soltar os cachorros em cima de mim quando a empurro para fora da porta e ela começa a cair entre as nuvens... Seu grito se perde na imensidão e eu apenas tento acenar carinhosamente em sua direção.

Seja o que Deus quiser.

Literalmente!

Prazer divino (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora