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(por Ezaquiel)

Elisa é uma mulher maravilhosa prestes a completar sua terceira década de vida. Ela vive uma jornada dupla que poucos conhecem: durante o dia é corretora de imóveis e durante a noite se torna Lizbeth, a acompanhante de luxo mais bem paga do Rio de Janeiro. Muitos acreditam que, com o passar da idade, as acompanhantes começam a ganhar menos, mas esse não é o caso de Lizbeth (ou Elisa), que se torna mais experiente e sedutora a cada ano de vida.

A fama de nossa protagonista, no entanto, não é das melhores. Pelo menos não na profissão que considera oficial e que lhe rende menos remuneração: Elisa faz o que for preciso para fechar uma venda, ainda que precise ser um pouco desonesta para isso. Não se importa em maquiar uma coisinha ou outra e isso acabou lhe gerando clientes enfurecidos. Ameaças de morte? Ela já recebeu um monte. Nenhuma concretizada, graças a Deus. Um desses clientes que a ameaçou já chegou a encontrá-la como Lizbeth, mas não houve suspeita de nada. Elisa havia ficado, por uma mínima fração de segundo, se sentindo culpada por vender uma casa com péssima vizinhança para a recém-formada família. Ao descobrir que o homem traía a esposa (com quem havia recentemente se casado), se livrou de toda a culpa que quase cogitou carregar.

Como anjo da guarda de Elisa, conheço bem um dos ditados que regem sua vida: "Espertos são aqueles que sobrevivem, independente do que aconteça". Sobrevivente, inclusive, é uma ótima palavra para descrever minha pupila. Vocês devem estar pensando que sou péssimo no meu trabalho, mas juro que já tentei colocá-la na linha. Se enquanto acompanhante de luxo Elisa era honesta, empenhada e muito requisitada, não dava para dizer o mesmo do seu desempenho como corretora. Sendo muito sincero, ela só continuava trabalhando na mesma imobiliária porque o dono é marido de sua amiga de infância. Analise, sua melhor amiga, é a única (além de mim) que sabe de sua dupla jornada. E Analise entende perfeitamente que é preciso manter as aparências... No começo ela tentou, com afinco, fazer sua amiga mudar de ideia. Quando percebeu que estava gastando saliva em vão, decidiu ajudá-la. Foi uma decisão sábia, devo ressaltar.

Hoje é vinte de maio. Em vinte e quatro horas, Elisa acha que comemorará seu aniversário de trinta anos na deslumbrante cobertura de sua melhor amiga. Sinto trazer spoilers, mas não vai acontecer. Enquanto troca de identidade diante de sua penteadeira, minha protegida não faz a menor ideia de que nada disso será necessário. Já recebi o boletim informativo e não há nada que possa fazer. Elisa, travestida de Lizbeth, pegará um táxi que a deixará do lado oposto onde precisa ficar. Mal humorada, minha protegida descerá do carro e atravessará a rua antes do sinal ficar vermelho. Liz (como muitos a chamam) odeia deixar seus clientes esperando, principalmente quando é um cliente novo e muito bem recomendado (o jovem, de apenas vinte e dois anos, é detentor de uma pequena fortuna, além de ser um galã). Ela apressa o passo, mas não consegue chegar do outro lado da rua, muito menos no hotel mais famoso e caro da cidade. Um imbecil embriagado passa por cima dela e nem mesmo para o carro pra lhe prestar qualquer socorro. Acovardado, o sujeito foge sem nem imaginar que o que é dele está mais do que guardado!

O jovem Tomás está chegando ao hotel em seu carro quando vê a mulher estirada no chão. Pelas fotos que já tinha visto de Lizbeth na internet, ele sabe que aquela mulher deveria estar estirada em uma confortável cama e não jogada de qualquer jeito sobre o asfalto. Apesar da náusea e do medo de ser descoberto, ele desce do carro e corre na direção dela a tempo de vê-la com vida. Desesperado, ele pede para que Liz continue respirando e em seguida grita por ajuda. Os seguranças do hotel demoram um pouco a entender o chamado, mas quando o fazem correm na direção deles. Lizbeth pisca repetidas vezes, arfa com tremenda dificuldade e, observando Tomás sob um olhar turvo e confuso, finalmente se vai. Respiro fundo, me encaro no espelho e treino um sorriso acolhedor para recebê-la. Antes de sua chegada, recebo a declaração oficial de sua sentença e sei que minha pupila ficará furiosa.

Chega de conversa. Tenho uma fera a domar e muito trabalho a fazer!


Prazer divino (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora