A Esposa Desprezada

Condenada

Porém, talvez apenas traição não seja um bom motivo para morrer. Mas não há escolha.

Os guardas me arrastam para um quarto simples mas muito melhor que minha cela. Lá me dizem para me trocar.

— Tente parecer gente— diz um deles.

Não me dão privacidade.

—Não é como se não tivesse mostrado seu corpo para todos, não é?

Nunca fui tão humilhada. Visto um saiote vermelho sob um avulso, em cima dele coloco um vestido de tordilha de damasco aparado na pele e, para me cobrir, um manto de arminho.
Há uma bacia com água, aproveito para lavar meu rosto e tirar um pouco da sujeira que impregnou em minha pele.

—Pronto, melhor que isso não é possível, meretriz. — segura meu braço com força e tenta me arrastar à força.

— Eu ainda sou sua rainha, infeliz, e exijo respeito— digo com o pouco que restou de minha dignidade. Sacudo meu braço até me largar e caminho com a cabeça erguida, se não me curvarei na morte não me rebaixarei em vida.

— Majestade— duas jovens aparecem e fazem uma referência. Ficam caladas por um tempo olhando para os oito carcereiros com expressões de pânico. A mais velha das duas cria coragem.

— Majestade, gostaríamos de ter a honra de acompanhá-la durante sua última vez no castelo.

O líder dos guardas iria falar algo mas é interrompido quando passo na frente.

— Se desejam tanto minha companhia podem vir. Eu ainda não estou morta por isso aproveitem minha presença enquanto ainda é tempo.

Caminhamos lentamente pela ala conhecida como Casa da Rainha. Minha ala. Ando com confiança, muitos diriam que minha postura era de alguém que não iria morrer mas é de alguém conformada com a própria morte.

Eu não sei quem planejou minha execução. Também não sei quais são as testemunhas que afirmam terem me visto praticando cada uma das acusações.

A única coisa que sei é que minha permanência entre os vivos irá contra os planos de meu marido... Quer dizer o rei, afinal dois dias atrás ele conseguiu anular nosso casamento assim como anulou o casamento de 18 anos com Catarina Aragão.

Algo que não será contado nas histórias sobre mim é o acordo que tive que fazer para manter a vida de minha filha.

O acordo que garante a legitimidade da minha filha como herdeira do trono inglês. O acordo feito por mim e o rei. O acordo que garantiu uma morte honrada. Minha morte sem me curvar a ninguém.

Subo no cadafalso e cumpro com minha última parte do acordo.

— Bom povo cristão, vim aqui para morrer, de acordo com a lei, e pela lei fui julgada para morrer, e por isso não vou falar nada contra ela.

Respiro lentamente, a multidão começa a vaiar. Um desconhecido com capuz joga vegetais estragados em mim. Ouço vaias e gritos. Adúltera e meretriz, assim é como sou chamada. Continuo olhando para frente. Henrique está sentado em seu trono com um cálice de vinho na mão apreciando o show.

— Não vim aqui para acusar ninguém, nem para falar de algo de que sou acusada e condenada a morrer, mas rezo a Deus para que salve o rei e que ele tenha um longo reinado sobre vós, pois nunca um príncipe tão misericordioso esteve lá e para mim, ele será sempre um bom, gentil e soberano Senhor.

Fez-se um silêncio. Todos olham estarrecidos para mim. Não desvio o olhar de Henrique VIII, faz parte do acordo e vou cumprir com a minha parte.

—E se qualquer pessoa ponha isso em causa, obrigá-la-ei a julgar os melhores. E assim deixo o mundo e todos vós, e sinceramente desejo que todos rezem por mim.— falo algo que não estava em acordo, uma oração por minha alma— Ó Senhor, tem misericórdia de mim, eu louvo a Deus a minha alma.

Me ajoelho devagar nunca desviando o olhar do homem que um dia amei.
Eu confesso que nunca imaginei um fim como esse para mim.

O carrasco francês tira o manto que cobria meu pescoço. Sinto a frieza da espada em minha nuca.

Todos prendem a respiração esperando a ordem do rei, inclusive eu.

Depois de cinco minutos – em um dia de sol perfeito, às oito horas do dia 19 de maio de 1536, depois dos meus mil dias de reinado –, o rei Henrique VIII dá o sinal.

A vida de Ana Bolena é tirada por uma espada francesa, tal como queria.