A garota

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A água quente escorre pelo meu corpo. Começa por acariciar meus cabelos e segue seu percurso até a sola do meu pé. Ela me purifica a cada gota. Reanima-me, vivifica-me.

Foi minha confidente em dias tristes. Dias em que seu toque se confundia com minhas lagrimas. Ela guardava-me em uma tentativa silenciosa de consolo. Ela se fez palco para meus desesperados gritos de amante abandonado. Abafou o nome que diversas vezes chamei em vão.

Mas hoje ela se faz minha amiga para alegria. Ela me purifica para um novo dia. Para um bom dia.

Saio do banho com ar de gratidão e enxugo o úmido véu que se formou sobre a minha pele.

Posiciono-me em frente ao espelho e avalio cuidadosamente minha face. Há alguns dias atrás aparentava apenas tristeza e cansaço. Eu era apenas mais um sujeito abatido em meio a tantos outros. Mas hoje algo reluz em meu olhar.

Escolho a melhor roupa que tenho; o que resulta em vestir uma calça jeans e uma blusa social azul.

Olho mais uma vez para o meu reflexo e vejo o homem que achei que nunca veria novamente. Vejo a felicidade gravada em meu rosto.

Digo a mim mesmo que tudo ira ficar bem dessa vez e saio de casa.

Na rua, todos parecem perceber meu ar de felicidade.

- Está radiante hoje, Lucas.

Disse-me a simpática senhora da padaria. A mesma que por diversas vezes gastou comigo seu discurso antigo sobre como tudo na minha vida um dia faria sentido, e que, todas as perdas significariam ganhos. Eu, com o ar ranzinzo que tinha adquirido, não disfarçava minha falta de interesse no que ela dizia. Respondia sempre com um som que se assemelhava a um grunhido afirmativo.

Mas hoje não. Hoje o dia me sorria, e eu sorriria para ela também.

- Segui seus conselhos Dona Amélia. Segui seus conselhos.

Ela pareceu satisfeita e continuou a atender seus clientes com o sorriso largo e habitual que só ela tinha.

Continuei meu caminho até o local marcado. Era uma larga praça, repleta de flores e um chafariz no centro, com um cupido já gasto pelo tempo. Era o local perfeito para um filme romântico de tema clichê. Por isso, era também o local perfeito para encontra-la.

As horas se passaram e eu observava invejosamente os casais que ali estavam. Eles pareciam sentir-se completos, como se nada no mundo fosse mais importante que o momento que eles viviam agora. Todos com suas companhias. Exceto, a moça de cabelos cacheados que brincava com a água do chafariz. Mas logo seu par também chegou, lhe trazendo um buque. E eu, voltei a ser o único só naquele ambiente.

Eu também deveria ter trago flores. Pensei

Fito o relógio e percebo que ainda faltam 10 minutos para o horário marcado. Talvez dê tempo. O florista fica do outro lado da praça. Levanto-me do banco em que estou e vou em direção ao senhor com seu carinho repleto de rosas.

Mas no meio do caminho sou interrompido pela melhor visão que tive no dia. Ela vem como se andasse sobre nuvens. Seu cabelo religiosamente preso no alto da cabeça. Nenhuns de seus fios negros ousam deixar seu lugar. Seu curto vestido azul parece ter sido feito sob medida.

Ela sorri. Suas bochechas estão coradas; não sei se pelo sol, ou pela timidez. Mas o rosa de seu rosto contrastante com o negro dos cabelos a deixa mais linda do que já é.

- Sempre pontual. – Ela falava de si mesma, enquanto faz uma reverencia segurando com os dedos a ponta do vestido.

- Você está linda. – Confessei. E foi tudo que consegui dizer enquanto meu olhar se perdia no profundo universo em seus olhos.

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