Washington D.C., 28 de abril de 2022, 7h13 no horário local.
"Ninguém está seguro".
Jaden leu e releu a frase, mastigando e saboreando seu conteúdo com a mesma voracidade com a qual uma criança mancha seus dentes com chocolate Snickers. Era uma pecinha sóbria de sabedoria, eternizada na terceira edição da autobiografia do Sr. Jenkins Garamond, vulgo "D0minat0r". Figura famosa, ficou conhecido como White Hacker e consultor de segurança da informação. Garamond certamente não foi o melhor hacker que já existiu — teve também o Bob Munstein, "Adopt102", ou o Carl Johansson, conhecido como "The Webber". Alguns endeusavam Frederich Carl e seu trabalho metodológico de blindar bancos de dados. Mas Jaden gostava mesmo era do Sr. Garamond. Curtia seu estilo irreverente, sua aparente despreocupação frente a mais cabeluda das adversidades. Jaden gostava do Sr. Garamond quase tanto ele gostava de ser oficial da Agência Nacional de Forças Cibernéticas.
É claro, estamos falando de um trabalho que tem seus pontos negativos. Mesmo aos 31 anos de idade, Jaden não gostava de receber ordens de alguém que mal podia ver o rosto durante sua rotina de trabalho. Porém, mais desgastante ainda era fazer parte de uma força de elite recheada de hackers talentosos, mas que, mesmo com todo o contingente de duzentos e quarenta e cinco programadores rigorosamente selecionados, não estava ganhando quase nenhuma batalha, quem dirá a guerra.
Não conseguiram, por exemplo, frear os russos quando estes efetuaram um ataque de negação de serviço contra as maiores servidores de DNS do país, tirando do ar uma parcela considerável de websites importantes para a nação estadunidense. Também não conseguiram fazer muita coisa quando a Bolsa de Valores de Nova Iorque teve seus sistemas invadidos e desligados durante cinco horas, o que foi mais do que o suficiente para fazer acionistas e empresários sofrerem prejuízos incalculáveis. Com a coligação Europa-Ásia, a América do Norte estava em clara desvantagem naquele conflito que arrastava a um ano e meio.
Jaden não gostava de perder. E digo mais; ele não gostava que seu país perdesse. Por mais que seu instinto rebelde não tivesse diminuído ao completar três décadas de vida, a educação militar — patrocinada por seu pai, sargento aposentado — lhe fez nutrir um forte senso de patriotismo. Para Jaden, defender as infraestruturas digitais de sua nação (ou atacar e destruir as de países rivais) era mais do que fazer um bom trabalho. Era seu dever como um civil norte-americano.
Fechou o livro e deu uma olhada ao seu redor. O Aeroporto Internacional de Washington Dulles estava cheio de jornalistas correndo pra lá e pra cá feito formigas na chuva. Um esquema de segurança reforçado guardava o saguão principal, e os repórteres dos veículos mais consagrados — TIME, The Wall Street Journal, Reuters, AFP, The New York Times — eram acompanhados por guardas até chegar no salão de embarque. Lá, tentavam a todo custo conseguir algumas aspas vagas do democrata Ralf Kasey, quadragésimo sexto presidente dos Estados Unidos.
Dentro de sua bolha chamada VIP lounge, era mais do que claro que o governador não estava disposto a conceder entrevista nenhuma ali — tanto que, como previamente combinado, a informação de que a viagem para a Rússia tem como intuito firmar um tratado de paz não poderia ser divulgada até que o acordo estivesse efetivamente celebrado. Felizmente, Ralf tinha talento para se esquivar de perguntas inconvenientes. Desviava de questionamentos cujas respostas fossem potencialmente perigosas para o seu já abalado governo radical. Desde que fora eleito, o regente não havia feito muita coisa para o seu povo além de provar que as forças militares cibernéticas dos EUA — pasmem — eram tão eficientes na guerra quanto calouros de um curso de tecnologia da informação.
— Sr. Jaden Albin? — a suave voz de sua secretária particular escapou de sua atenção. — Sr. Jaden, pode me dar um minutinho?
— Hm? — respondeu, se levantando da poltrona de couro para encarar a bela moça de cabelos loiros rigorosamente penteados para a direita.
— O avião irá partir em vinte minutos. O senhor já está pronto para embarcar? As suas malas já foram despachadas. Vai levar alguma bagagem de mão?
— Somente isto aqui — e apalpou a bolsa transversal que armazenava seu notebook. Após uma rápida reverência, a secretária se foi. O mesmo não poderia ser dito dos repórteres que sondavam Ralf. Era impossível para Jaden não encarar esse povo e se lembrar do seu irmão, que, contrariando as recomendações de seu pai, largou a carreira militar para seguir a vida de jornalista. Andava por aí aturdido com telefonemas, emails, faxes, encomendas, agendas lotadas de nomes estranhos e rodeado por pessoas que ele seria obrigado a fingir que eram importantes. Jornalistas, dizia Jaden, são babacas.
O hacker se dirigiu até a ponte de embarque, se esquivando de câmeras, flashes, gravadores de voz e todos os apetrechos que costumam ser apontados para uma "celebridade". Uma vez a salvo da mídia, deu de cara, na pista do aeroporto, com o homem mais poderoso dos Estados Unidos. Aos cinquenta e cinco anos, Ralf tinha um semblante cansado, cheio de rugas ao redor dos olhos, uma barba rala e cabelos brancos afetados pela calvície. Tinha um olhar inexplicavelmente marcante.
— Excelentíssimo...
— Não precisa de formalidades, garoto. — cortou Ralf. — Se vamos passar quase dezesseis horas sentados ao lado um do outro, não quero que isso se pareça com uma maldita reunião do Conselho de Segurança.
— Certo. — Jaden pareceu temeroso. — Então, senhor Ralf...
— Só Ralf está bom.
— Ralf. Certo. — engoliu seco. — É um prazer acompanhá-lo em tal viagem.
— Eu vi você olhando os jornalistas com uma cara engraçada. O que estava pensando?
— Estava pensando como eles reagiriam caso soubessem o verdadeiro motivo dessa viagem. Caso soubessem que desistimos de lutar e que vamos nos render aos russos, — disse Jaden, abaixando o rosto. Puxou o capuz da jaqueta moletom para esconder os cabelos loiros que se abalavam com o vento. — Será que o país acha que essa é a coisa certa?
— Não vamos nos render, jovem. Vamos propor um acordo com eles. Vamos dar um tempo em um conflito inútil que está abalando a economia mundial. Vamos resolver essa coisa de uma maneira inteligente, o que não significa necessariamente que é a maneira que a América quer que nós resolvamos.
Jaden e Ralf subiram no avião particular, acenando levemente para os jornalistas que tentavam capturar uma última foto. O céu estava cinzento e já era possível sentir leves respingos caindo das nuvens obscuras. Dentro da aeronave presidencial, Jaden se limitou a ocupar seu assento, fechar a persiana da janela e cerrar os olhos, enquanto o comandante se encarregava de fazer o clássico discurso de sempre. "Eu espero que os senhores tenham uma viagem tranquila e proveitosa".
"Eu também", respondeu Jaden, para si próprio. Ao seu lado, Ralf Kasey folheava uma cópia do The Sun. Na reportagem de capa, numa chamada em letras garrafais, era possível ler uma notícia não muito agradável.
"Rejeição ao presidente Kasey sobe em 14%".
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Ciberespacial
Science FictionCom a imagem de seu governo manchada após as constantes derrotas em uma guerra cibernética de escala mundial, Ralf Kasey, quadragésimo sexto presidente dos Estados Unidos, está prestes a embarcar em um avião para firmar um acordo de paz com o regent...