03. Treze Espíritos

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  SORTE. Para muitos, a sorte era similar ao destino, mas de acordo com a perspectiva de Jeff, a pequenina palavra poderia ter vários significados, centenas deles. E normalmente, ela era expressada em números estratégicos, ela poderia até ter um nome.

  Alguns escolhem o número três, outros o número sete. Mas a sorte de Jeff tinha nome, data e número, como uma sexta-feira treze esquecida pelo tempo.

  Mas o que realmente uma sexta-feira treze tinha de tão especial para a vida de um homem desprezível como Jeff? Esta era a pergunta que os poucos amigos de Jeff se faziam, já que o homem nunca acreditou em superstição. Claro que, de acordo com as lendas que são contadas pelos nossos antepassados, a sexta-feira treze era o dia do azar, da má sorte e de um destino deplorável. E era exatamente por essa razão que treze era o número da sorte de Jeff, ele adorava contradizer aos fundamentos humanos, e nada melhor que escolher o número do azar para lhe servir de sorte.

  E o que a sexta-feira treze tem a ver com o nosso antagonista/vítima? — Você deve estar se perguntando. — Em resposta a essa indagação temos o dia de nascimento de Jeff, que foi em plena sexta-feira treze, e por mera coincidência, o dia da "sorte" de Jeff, foi o mesmo dia do acidente, do incêndio que modificou radicalmente toda a sua vida. Sim, Jeff via o dia do incêndio como um dádiva. Embora ele tenha passado uma das suas piores humilhações naquela fatídica data, aquela sexta-feira treze tinha um lado, digamos, "positivo".

  Com a tragédia, Jeff pode ver quem realmente estava ao seu lado, pôde filtrar as sua amizades, quem realmente queria ajudá-lo com seus distúrbios psicológicos. Claramente, ele teve que suportar toda a sua família lhe dando as costas, e noventa por cento de seus, outrora, amigos também, mas como diz um velho ditado:

  males que vem para o bem.

  E a partir daquela data, em diante, Jeff se agarrou com todas as suas forças a aquele ditado. E sem tantas línguas falsas ao seu lado, ele pôde finalmente por em prática o seu pequeno plano diabólico.

  Mediante a aquela visão produzida por mais um de seus distúrbios, finalmente, Jeff via Amélia ali, bem de frente a ele, com aquela expressão de zombaria, ele se sentia tomado pela vingança, e se esqueceu de que, quem realmente estava ali, se tratava da pobre Jess.

  Jeff mentalizava a todo momento como deveria ser a morte de Amélia. E como prova de seus velhos sentimentos, resolveu ser rápido.

  Ele firmou as suas mãos na faca para cortes de carne, a segurou como um punhal, e tomado pelo rancor, atravessou a lâmina fúnebre no centro da testa de sua filha.

  O líquido carmesim se derramava pelo rosto de Jess, e respingava no chão da cabana, manchando o sapato do assassino, enquanto a expressão da garota permanecia a de espanto. O sangue se acumulava dentro de sua boca e Jeff se banhou pelo sangue derramado, ele se sentia feliz, até se dar conta de seu feito diabólico.

  Ele agora via o rosto de Jéssica, cercado por tanto sangue e via a faca cravada na cabeça da garota, como uma fantasia macabra de dia das Bruxas. Ele podia não ter matado a Amélia, como sempre desejou, mas ceifar a vida de Jess, o fez se sentir nas nuvens. Porém, aquela sensação não durou muito.

  Após a morte de Jess, uma singela presença conturbava a mente demoníaca de Jeff. O espírito morto e mórbido de sua filha e das outras vítimas de Jeff, acompanhava-o para todos os lados da cabana e fora dela, e a partir daquele momento, a sanidade se tornou inexistente na mente vazia do homem.

  Ele tentava fazer de tudo para aquilo parar. Entrava em seu quarto e trancava as portas e as janelas, mas quando Jeff menos esperava, as almas inebriantes, com os corações vagos estavam a sua frente, lhe observando, com aqueles olhos completamente negros e vazios, e pela primeira vez, Jeff soube o que era o medo, e não gostou nada.

  Sem remorso algum, Jeff teve mais uma de suas ideias para se livrar das almas que o seguiam. O homem sabia que o dia das bruxas era a época do ano favorita de sua filha, e fora poucas as oportunidades que Jess pôde realmente comemorar. E naquele dia, o bairro de Conseler se encontrava frio e sem cor, todos em silencio, as famílias todas em luto, e então uma pequena luz singela se acendeu sobre a cabeça de Jeff.

  Como os outros corpos, ele retirou o coração de Jéssica com as suas próprias mãos, atravessou-a no peito da garota, e lhe arrancou o órgão que, outrora, pertencera a Melina, e o colocou em um vidro de conserva, que por acaso, havia mais treze vidros como aquele, e vazios não estavam, pelo menos, a maioria.

  Jeff pegou a penúltima corda que tinha em seu galpão e esperou que o dia se despedisse, e a noite caísse nos céus.

  O único ruído audível naquele instante era o bater do relógio, que já chegava a exatamente meia-noite. Jeff fez uma limpa no galpão e na cabana que se hospedara, pegou os vidros de conserva com os corações de cada vítima, e assim, o plano de Jeff finalmente se deu início.

  O sol pálido já estava raiando, e os moradores de Conseler já estavam despertando. E eis que aquele trinta e um de outubro nascera, mas não para todos daquelas redondezas.

  Diferente de todos os anos, o bairro estava comemorando involuntariamente aquela data sombria, e a mais real e macabra das decorações pôde ser contemplada por toda São Paulo.

  Antonieta Dantes, mãe de Nathaniel havia acordado, e como todos os dias, foi até a frente de sua casa, a espera do filho que nunca viria. Mas naquele dia, Nathaniel estava lá.

  Em um galho alto da árvore grandiosa e singela pertencente a casa dos Dantes, lá estava uma cena de um suposto "suicídio". A corda ao redor do pescoço do cadáver, era seguida pela lanterna de abóbora que ocultava a face da vítima jovem que ali estava, e ao lado do corpo suspenso no ar, lá estava um pote de conserva, e dentro dele, o coração de um dos Dantes.

  O brado de Antonieta Dantes correu por toda vizinhança, despertando os vizinhos, que pelas suas janelas, observavam aquela cena macabra.

  Com a chegada da perícia, e o choque das famílias das vítimas, no fim da rua, na última casa, a beira da rodovia ainda em pleno silencio, rodeado por uma névoa densa e cinzenta, lá estava Jeff Duarte, ou o que sobrou dele. Cercado por uma cena deprimente e suicida, seu corpo pendia no ar na varanda aos pedaços da cabana, e ao lado de Jeff, um pote de conserva que esperava pelo coração do assassino, a lanterna de abóbora acesa e, presa entre os dedos frios e esqueléticos do homem, a última folha de outono que aquela primavera macabra teria.

FIM

FIM

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