O ano era 1916. A fabulosa capital, São Petersburgo, estava em festa. Nas paredes do palácio da família real, ecoavam os sons de uma grande celebração. Tratava-se do trecentésimo ano de poder da família Romanov, na Rússia Imperial. O Czar, era o honrado Nicolau II. O homem andava, majestoso, pelo decorado salão do palácio, onde tudo reluzia a ouro e a diamantes; as belas flores que coroavam os vasos de prata remetiam-no a sua amável esposa, a Czarina Alexandra, e as suas admiráveis filhas, Olga, Tatiana, Maria e Anastásia. Elas, as jovens grã-duquesas, riam e dançavam com ele, na comemoração que brilhava os vestidos das damas e os sorrisos dos homens naquela noite.
Após ser devidamente anunciada, a grande Imperatriz e mãe do Czar da Rússia, sentou-se elegantemente em seu trono dourado e foi imediatamente recebida por Anastásia, sua amada neta. Era uma menina travessa e cheia de vida; tinha grandes olhos azuis e os cabelos ruivos assim como o das irmãs. Ela iluminava o sorriso sempre que via a Imperatriz, sua avó.
— Para mim?! — exclamou a pequena Anastásia, como numa doce surpresa. — É uma caixinha de joias? — perguntou ao receber das mãos da avó uma caixinha dourada.
A Imperatriz partiria logo para Paris e, para tornar menos dolorosa sua partida, decidiu por presentear sua neta com uma caixinha de música; a mesma era decorada minuciosamente com pequenas joias e configurada previamente para tocar a melodia da canção de ninar da qual Anastásia estava acostumada. Aquela canção que sua avó graciosamente cantava em seus ouvidos para fazê-la pegar no sono. Um lindo colar com as inscrições "Juntas em Paris", era a chave para fazer a pequena caixinha se abrir e produzir aquele doce som, enquanto duas miniaturas bem vestidas simulavam uma dança lenta. Anastásia alargou o sorriso e se alegrou em cantar com sua avó:
Vento uivando no mar
Quando eu ouço me lembro
Você vai vir pra mim
Foi no mês de dezembro
Enquanto isso, um menino curioso as espiava por detrás dos tronos reais. Ele ficava a vislumbrar tudo de uma distância segura, mesmo sabendo que seu lugar era na cozinha, onde seu dever era simplesmente o fiel trabalho. Seus sonhos eram grandes demais para sua realidade.
A harmonia de repente caiu. As luzes ficaram fracas e a música parou à presença desagradável da figura encapuzada que adentrava o salão. Seu nome era Rasputin, e ele havia quebrado bruscamente o clima de festejo e alegria que aquele lugar possuía. O tal homem que sempre aparentou ser um místico inofensivo, se revelara um ser cruel. Seus desígnios eram desprezíveis. Estava ali, em frente ao Czar da Rússia, para o ameaçar, a ele e toda a sua linhagem de terrível morte.
Foram ditas e feitas aquelas palavras. Não muitos dias depois do que se passou, numa fria madrugada, o terror visitou a casa dos Romanov. Os revolucionários estavam sedentos por sangue e motivados pela maldição proferida por Rasputin. O caos havia tomado conta de tudo.
Anastásia fugia com os outros quando se lembrou de que sua preciosa caixinha de música havia ficado em seu quarto, e não hesitou em voltar para busca-la. Sua avó a seguiu, preocupada com sua segurança. Sozinhas naquele quarto, ambas corriam sério perigo, estavam cercadas por todos os lados. A aflição latejava no peito da Imperatriz, enquanto a pequena Anastásia sentia um misto de medo e confusão; era jovem e ingênua demais para compreender a imensidão de tudo o que estava acontecendo naquele momento. Num golpe de sorte, as duas se encontraram com o menino da cozinha, que bravamente as salvou, livrando-as do caminho dos inimigos e conduzindo-as por uma passagem secreta que abriu na parede. Aquele gesto simples acabou por salvar a última Romanov ainda viva.
Apressadamente, Anastásia e sua avó deixaram o palácio e se apressaram em chegar na estação de trem. No caminho, Rasputin tentou um último esforço para matar a menina que fugia, mas, no meio da confusão, afundou-se no gelo e no seu ódio, acabando com suas próprias chances. Após o susto, a Imperatriz reconduziu sua neta até a estação.
Naquele dia em especial, a estação estava lotada, o que dificultou ainda mais a locomoção da senhora cansada e da criança com suas pernas curtas. Ofegante, a Imperatriz subiu no trem a vapor. Anastásia, exausta, corria para alcançar o veículo já em movimento.
— Não me solte! — implorou quando conseguiu segurar a mão da avó. Lágrimas brotavam de seus lindos olhos azuis.
O infortúnio aconteceu. Todo o esforço foi inútil. Anastásia caiu, batendo a cabeça no vão frio da estação. O trem partiu para longe e deixou a pequena grã-duquesa jogada ao vento com nada mais que um futuro incerto.
Aquela que restou da última família Imperial da Rússia. Aquela que sobreviveu a fatídica noite. A última Romanov.
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Foi No Mês De Dezembro
Aventura"Dias de felicidade E os cavalos na tempestade São imagens a dançar Que eu posso recordar Muito tempo passou E o fulgor da lareira Na memória ficou Disso eu sempre me lembro E a canção de alguém Foi no mês de dezembro"