Todo dia a energia chega as 06:00 horas. Hugh! Você não faz Ideia do quanto eu a odeio. Tudo bem que se não fosse ela, provavelmente nenhuma das poucas coisas legais que eu faço no dia seriam possíveis de serem feitas, mas mesmo assim, não estou mentindo nem um pouquinho em dizer que a odeio. Assim que a energia chega todas as luzes da casa se acendem automaticamente. Pode parecer estranho pra você imaginar, mas isso é ordem do governo. Todo mundo nesse país e obrigado a acordar as 06:00 horas independente da idade, do gênero e da profissão e como se não bastasse, as 06:03 um alarme super estridente e enjoado toca no radiotransmissor preso na parede da cozinha, só pro chanceler ter a certeza de que todos os que não acordaram com as luzes, acabem acordando com o alarme.
Falando no chanceler, não posso deixar passar a oportunidade de dizer que eu o odeio mais do que odeio a energia (o rosto daquele velho me da nojo). Meu pai costumava a dizer que somos obrigados a amar ele incondicionalmente, já que foi sua política de controle social e avanço tecnológico que livrou nosso país da terrível guerra que aconteceu há quinze anos, mas como o meu pai morreu na guerra civil (que já dura quase dez anos) há dois anos eu não costumo a levar isso em consideração. As vezes eu acho que não há nenhuma pessoa se quer nesse país que goste do chanceler, eu inclusive acho quase impossível gostar de alguém que tem o rosto pregado em pelo menos um lugar de todas as casas do país, que aparece todos os dias pelo menos três vezes na TV e que tem a voz projetava em um radiotransmissor quase que o tempo todo. Ele é tão insuportável, mas tão insuportável que se não fosse crime eu juro que sairia por ai rabiscando todas as fotos dele pregadas nas paredes e gritando "O CHANCELER BARBOSA FEDE! O CHANCELER BARBOSA FEDE!".
Você provavelmente não deve me conhecer então acho legal me apresentar. Sou o Tadeu, tenho doze anos, moro no segundo aglomerado da Área Leste da Capital II, sou filho único (já que meu pai morreu antes dele e da minha mãe conseguirem ter uma menina) e passo a maioria do meu tempo estudando ou ajudando minha mãe nos serviços da casa (que podem até parecer pouco se você levar em consideração que só eu e ela moramos na casa, mas acredite, quando você é obrigado produzir algo útil para governo dentro de sua própria casa, a sujeira feita é enorme). Tenho a vida normal de um pré-adolescente comum, desses que não gosta de estudar, que bebe álcool escondido com os amigos e não quer ir pro exército quando completar dezoito. Não sou nem muito bonito e nem muito feio, nem muito alto e nem muito baixo, nem muito gordo e nem muito magro. Gosto mais das musicas do tempo do meu pai (justamente por elas não ficarem o tempo todo enfatizando o quão heroico e bonito é ir pra guerra logo aos dezoito como são as de hoje em dia [juro que uma hora eu paro com esses parênteses]) e na TV, só gosto mesmo dos programas de sexo que passam depois da 20:00 (risos), o resto eu assisto ou porque é lei ou porque minha mãe gosta. Isso é basicamente tudo que você precisa saber para conhecer qualquer pré-adolescente comum da Área Leste, inclusive eu.
Me disseram que eu tinha que contar uma história aqui, algo que me fizesse especial, que fizesse você gostar de mim. Eu tenho uma única história assim nesses meus doze anos de vida, mas minha mãe não pode sonhar em ouvir uma coisa dessas e nenhum dos meus amigos (tirando o Orelha que é meu melhor amigo e eu conto tudo pra ele) pode saber disso. Essa história será nosso segredo e você vai ter que me jurar isso de pés juntos.
Apesar de morar na Área Leste (que é a área mais pobre da Capital II), o meu aglomerado é um dos melhores da área e eu quase nunca preciso sair dele, só pra estudar, ir ao medico ou cumprir algumas obrigações impostas pelo governo. Aqui dentro do aglomerado todo mundo conhece todo mundo, todo mundo cuida da vida de todo mundo (no bom e no mal sentido), todo mundo sabe o que acontece por aqui (ou pelo menos pensa que sabe). Com base nisso você já deve imaginar que eu não conheço nada além da Área Leste, nunca fui em nenhuma das outras áreas da Cp II (Capital II, pra quem não pegou) e quem dirá conheci outras cidades desse país. Sim, você imaginou certinho, a Leste é meu mundo, meu universo. Muitos dos meus amigos sonham em ir para o exercito justamente pra poder conhecer outros lugares além daqui, sair desse pequeno mundinho e para o grande mundão lá fora. Já eu acredito que posso conseguir sair daqui sem precisar ter o mesmo fim que o meu pai.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Relatos comuns de vidas entre o cinza.
FantasyISSO AQUI É EXPERIMENTAL. Você vai ler histórias de pessoas comuns que vivem em uma realidade completamente distinta da sua, essas histórias vão te teletransportar para aquela realidade e te fazer entender como os demais cidadãos enxergam um país e...