Parte 1 - Sangue

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Para olhos descuidados, era apenas um vulto naquela noite de lua cheia. Porém, para aqueles que possuiam outra visão, aquela que enxergava realmente como as coisas eram naquela cidade, veriam o sobretudo e longos cabelos escuros dançando a medida que o vento soprava na direção oposta dela. Letal era seu nome. A vampira observou a noite já avançada enquanto corria. Um tiro espocou distante. A ponta dos caninos brotando da boca quando ela sorriu. Letal era boa no que fazia. Ainda mais quando seu corpo estava naquele ápice de vitalidade. Energia essa provinda do líquido escarlate. Do elixir que extasiava-a enquanto sorvido ainda quente. Um prazer inigualável tomava conta da vampira enquanto a vida de sua presa era drenada por seus afiados dentes que rompiam carne e músculos e chegavam ao tão desejado sangue. O medo e a dor de sua vítima eram seu regozijo naqueles breves instantes enquanto ela matava, certeira, letal. Outro tiro ecoou, tirando-a de seus devaneios.

Definitivamente aqueles caras não teriam a mínima chance com ela, pensou.

Para a sorte daqueles militares, naquele momento ela não tinha tempo suficiente para eliminá-los, mas estava ficando impaciente com aquela perseguição inútil. Precisava acertar as contas com outra vampira que invadira seu espaço, causando enormes transtornos , quase "quebrando a mascara" que ela tanto dedicava-se em manter oculta da população. Odiava alardes como aquele. O governo, as autoridades brasileiras e uns poucos cidadãos sabiam que há tempos coisas estranhas estavam acontecendo Brasil afora. Mortes inexplicavéis, desaparecimento de pessoas e imagens de corpos mutilados ou pálidos eram pauta nos noticiários, cada vez mais recorrentes. Parte das notícias eram abafadas pela mídia, mas nem todas eram páreo para a velocidade dos compartilhamentos pela internet. Teorias começavam a surgir, sendo um prato cheio para os canais sensacionalistas que falavam sobre o fim dos tempos e aquela baboseira toda.

Mesmo não passando de supostos rumores para os desinformados, as vezes as autoridades, aquelas que realmente sabiam o que estava acontecendo, precisavam fazer algo a respeito.

Vadia, pensou Letal enquanto saltava um imenso muro, a fim de despistar seus caçadores. Aquele transtorno era culpa da outra vampira. Uma tal Aline estava causando estardalhaço em Guarulhos, deixando uma trilha de morte e sangue por onde passava. Letal era quem tomava conta de toda região norte e leste de São Paulo, ditando ordens à outros iguais a ela; precisava agir, porém, não contava com aquele empecilho no caminho. Aqueles soldados armados com fuzis estavam em seu encalço. Tentou acalmar-se. Só questão de tempo de despistá-los e continuar sua busca, que consistia em encontrar a causadora de toda aquela confusão e acertar devidamente as contas com ela. Então tudo estaria novamente nos trilhos.

Vampira. Afora a maldição da sede que consumia seu juízo, ser uma criatura da noite era algo inimaginável. A ação de saltar o enorme muro fora tão natural quanto o ato de respirar para os humanos. Seu corpo atendia a seus comandos exatamente da forma que queria. Ao cair do outro lado, como se uma gata tivesse saltado graciosamente, ausente de todo e qualquer barulho, avistou uma rua à frente que dava num cemitério abandonado da cidade. Era ali que seu instinto a levara. Após poucos segundos enquanto caminhava rumo ao seu acerto de contas, percebeu uma presença. Desviou de um golpe de cassetete no momento em que voltava sua atenção ao agressor. Tudo muito rápido para seu atacante, porém para Letal não passava de uma cena em câmera lenta.

Pobre humano.

A vampira desferiu um potente soco em seu agressor, quebrando sua viseira e capacete, atingindo seu rosto em cheio. O soldado caiu no chão. Ao recompor-se, atordoado e ferido, sua única companhia era um cachorro que passava do outro lado da rua, mal iluminado pelos postes de luz, revirando algum lixo. A vampira já estava longe. Só mais um pouco e ela alcançaria o refúgio da maldita: algum buraco daquele cemitério fétido e abandonado pelo tempo. Uma rápida lembrança veio à mente. Rumores diziam que, numa área subterrânea de um bairro na cidade, ocorriam atividades secretas do governo. Experimentos com pessoas, animais e outros seres desconhecidos. Coisas que seriam reprovadas sob a luz do conhecimento da sociedade. Letal investigaria melhor aquilo após acabar com a raça de sua mais nova oponente.

Sangue, Amores e GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora