I

97 10 2
                                    

Vejo Gabriel me olhado de canto de olho. Ele está querendo me dizer algo hoje, mas tem enrolado. Sei disso há alguns minutos, mas até agora não disse nada. Ao invés disso, só reclamo da fome, e troco o peso de perna. Ele me oferece uma barrinha de cereal. Eu aceito porque é de chocolate. Gabriel foi o responsável por me mostrar que nem todas as barrinhas de cereais são de banana, como eu pensava, há um pouco menos de três meses — foi alguns dias depois de nos conhecermos.

— Você está livre na sexta?

Desvio a atenção da minha barrinha de cereal — já pela metade.

— Quando eu não estou?

Gabriel sorri. — Você lembra daquela exposição de fotografias que comentei com você? — faço que sim com a cabeça, poque minha boca está cheia com o ultimo pedaço da barrinha de cereal para que eu possa responder. — Ela vai ser sexta agora, aqui no campus, e eu queria que você viesse.

Eu assinto e ele espera enquanto eu acabo de comer para ter sua resposta.

— Posso fazer esse esforço por você.

— E meu trabalho de fotojornalismo vai estar pronto até lá, então posso te mostrar depois da exposição. Você ainda quer ver?

— Eu nem sabia que você ainda se lembrava.

— Você é que é o esquecido aqui, não eu. — Gabriel sorri e eu o ignoro. Guardo a embalagem da barrinha de cereal no bolso dos meus jeans, e agradeço por ela. Ficamos em silêncio. Só então percebo que Gabriel não disse o que ele estava pensando antes. Ele continua meio inquieto e enrolando. Vai alguns minutos, até que ele desembuche.

— Posso te falar uma coisa?

— Você sempre pode. — Tiro os olhos do fim da rua e o olho.

— É só que as coisas finalmente parecem estar boas, de verdade — ele não olha pra mim, e ajeita as alças da bolsa no ombro. É sempre difícil para Gabriel dizer algumas coisas, essa deve ser uma delas. — Quero dizer, acho que você ajudou a fazer com que elas dessem uma melhorada. Quando eu te conheci tava tudo uma merda para todos os lados, meus amigos estavam estranhos e meu namoro meio sem graça, e você me mostrou que existia muito mais mesmo sem perceber. Sabe o que quero dizer? — Ele mexe no cabelo, eu sei, mas não dá tempo de dizer — Conhecer você foi a melhor coisa que me aconteceu esse ano.

Eu fico encarando ele. Ele me encara de volta, os olhos vulneráveis, o cabelo bagunçado pelo vento.

— Eu não sei o que dizer.

Ele sorri. Foi o sorriso. Sempre foi o sorriso. Ninguém no mundo jamais sorriu tão docemente quanto ele para mim.

— Eu só quero que você saiba que eu fico feliz por... por ter te conhecido — Gabriel muda o peso de perna. — Você tem sido um ótimo amigo.

Amigo.

Eu o abraço, e acabo com sua tortura em ter que falar essas coisas, o abraço por mais tempo que o normal, por mais tempo do que já o abracei nas poucas vezes que não fiquei com medo de fazer isso e ele me aperta forte, digo que não precisa agradecer e que gosto muito dele. Ele diz eu também. Inspiro fundo com o rosto na curva do seu pescoço e Gabriel me dá um último aperto. Depois nos afastamos. Gabriel puxa um outro assunto e aí o nosso ônibus chega. E como na maioria dos dias, nós subimos conversando.

GabrielWhere stories live. Discover now