II

49 6 5
                                    

Esqueço o tema da exposição de fotografias assim que Gabriel me diz qual é ele. É sexta-­feira a noite e só sai de casa porque há dias eu não via Gabriel, ele sumiu do ponto de ônibus e parecia sem tempo para conversas onlines porque estava cheio de textos e seminários. Já eu estava com saudades e ontem quando ele veio confirmar se iria, eu não pude recusar, não que ele tenha me deixado muitas desculpas quando disse que os seus amigos que eu conhecia estariam aqui também. O que na verdade, era só o jeito de dizer que eu não ia ficar de lado, porque é claro que seu namorado estaria lá, e é claro que Gabriel ficaria mais com ele do que com qualquer outra pessoa.

Nós não vamos encontrar seus amigos quando chegamos, ao invés disso Gabriel apenas me guia através dos corredores criados pelos painéis. Ando com ele pela exposição, falamos coisas aleatórias sobre as fotografias ou as pessoas, e eu finjo que sei parar e apreciar a beleza de uma imagem por mais de seis segundos para que ele possa fazer isso.

— Alô? — Gabriel me chama e eu desvio minha atenção de lugar nenhum para olhá­-lo. Ele está tão bonito hoje, mas tem alguma coisa triste nos seus olhos. — Onde você estava?

— Em lugar nenhum.

— Achei que estava observando comigo. — Gabriel é concentrado demais e eu disperso demais.

— Eu não consigo... Desculpa?

— Por quê?

— É só uma foto, ou é bonita ou não é. — Olho pra fotografia que ele estava observando — Essa é, mas eu já olhei.

— Uma imagem nunca é só uma imagem...

— Mas...

— ... E um olhar sobre algo nunca é só um olhar. — Ele completa como se eu não tivesse o interrompido.

Nós nos afastamos quando mais pessoas chegam para ver a foto. Ficamos parado no intervalo entre um painel e outro.

— Uma imagem nunca é só uma imagem quando ela me toca — digo —, quando eu sei porque ela está ali ou qualquer coisa assim. Igual quando vejo meu perfil no Instagram. Mas eu não sei o que o olhar de quem tirou essa foto significava. E eu não sei o que ela deveria significar para mim.

— Mas é arte...

— E às vezes eu não entendo.

Estou prestes a admitir que sou um péssimo observador, quando vejo a expressão nos seus olhos ficar ainda mais triste, mas ele me cala.

— O problema é que talvez jamais vamos entender o que algo deveria significar para nós.

                                                                                              ¨¨¨¨ 

Demoro demais para juntar as peças. O olhar triste de Gabriel, o namorado dele que não estava na exposição, o fato de que ninguém parecia estar esperando que ele chegasse quando viemos para a cantina da faculdade comer. Eu só junto elas no segundo seguinte depois de fazer a pergunta que eu jamais deveria ter feito. Eu só tenho a impressão de que talvez algumas partes das conversas entre Gabriel, seu amigo e suas duas amigas foram delicadas, quando todo mundo desvia o olhar e Mariana me diz com seus olhos grandes e castanhos que fiz merda. Que estou sendo intrometido. Que não deveria ter perguntado porque o namorado de Gabriel não estava conosco.

— Ele não é mais meu namorado. — Gabriel continua prestando atenção no recheio do seu salgado quando me responde.

— Por quê?— Continuo fazendo perguntas que não devo, porque não consigo parar a tempo das palavras pularem da minha boca.

Gabriel faz uma pausa e me olha.

— Porque relacionamentos acabam. — Ele tenta suavizar sua fala, seus olhos e feições, mas não é de verdade, não é? Ele só está sendo evasivo, o que ele tem todo o direito, e tentando não soar grosso, não é como se estivesse totalmente bem.

Eu assinto e Mariana é a primeira a começar a falar de outra coisa e não demora muito para os amigos de Gabriel embarcarem no assunto, mas ele continua quieto. Eu o observo em silêncio pegar o celular enquanto ele não está olhando e não tem ninguém para me apanhar. O cabelo castanho liso jogado para o lado, a linha do queixo, os traços que eu já decorei. Ele checa a hora. A linha evidente do maxilar, os cílios longos, a elevação no nariz que ficou da vez que foi quebrado, o piercing no septo, o alargador na orelha. Ele me olha antes que eu possa desviar.

GabrielWhere stories live. Discover now