III

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Gabriel e eu atravessamos os corredores vazios em silêncio quando estamos voltando da sala onde seu trabalho de fotojornalismo está exposto. Eu não conheço essa parte do campus e uso a quietude para poder observá-la direito. É diferente andar por um lugar que você sempre vê cheio, quando ele está vazio, assim como é diferente olhar para alguém que sempre está acompanhado, quando ele está sozinho. Procuro belezas escondidas que jamais veria em outra hora. Estou, surpreendentemente, tão absorto que não percebo quando Gabriel vira em um outro corredor, até que ele me chama.

— O que é?

— São uma saída mais curta — Ele aponta para as portas duplas no final do corredor. — Elas dão para uma área verde e pro estacionamento.

Gabriel antecipa a hora de ir embora achando um caminho mais curto. Demorou um pouco, mas já aprendi que as despedidas são inevitáveis, ainda que eu sempre deseje poder prolongar mais a companhia de Gabriel.

— Podemos ir por lá? — Ele me encara. Eu sustento seu olhar por dois segundos mais antes de me virar e dizer que tudo bem. Nós começamos a ir até elas no mesmo instante.

— Será que estão abertas?

— Nós vamos descobrir.

Eu acelero o passo e chego primeiro, me frusta um pouco quando empurro a porta da esquerda e ela não abre. Claro que estão trancadas.

— Estão fechadas — digo e dou um passo para trás, sinto meu ombro esquerdo relando no peito de Gabriel, ele não diz nada nem se afasta e eu continuo parado. Gabriel estica o braço e tenta empurrar a porta, como se precisasse checar por si mesmo, mas ela está trancada. Definitivamente. 

Sinto sua respiração próxima a meu pescoço. Vai mais alguns segundos antes que ele quebre o silêncio.

— Seu cabelo está cheiroso — Ouço seu sorriso e ele se afastar, eu viro e sorrio em agradecimento.

— Prometo que te trago aqui outro dia — Gabriel fala baixo, estamos perto de um jeito quase embaraçoso — a parte verde antes do estacionamento é legal, você vai gostar. — E ele parece não perceber.

Eu pressiono meus lábios em um sorriso em resposta, fico sem saber como agir com ele tão perto. Gabriel continua me olhando, mas eu desvio o olhar para o corredor vazio incapaz de encará-­lo. Viro me para ele de novo, para dizer que precisamos ir, mas as palavras morrem na minha boca porque Gabriel segura meu rosto com suas mãos quentes e me beija. Eu começo a retribuir seu beijo, mas meus sentimentos estão conflitantes, meu coração e meu cérebro começam a dizer coisas muito diferentes. Um me faz querer continuar o outro me manda recuar. Mas o que grita mais alto, é meu cérebro dizendo que não é certo.

Ele me beija com mais força.

Não é certo.

Ele me pressiona contra a parede fria.

Não é certo.

Ele desliza a mão pelo meu cabelo...

É tão errado.

Eu o empurro para longe, mais forte do que pretendia e ele me encara surpreso. Não consigo esconder meu coração partido dele. E isso me deixa furioso e ainda pior. Eu o vejo prestes a me interrogar, mas eu o corto.

— Não é assim que eu quero. Você não tinha o direito...

— O que você quer dizer com, não é assim que você quer? — Um vinco se forma entre suas sobrancelhas quando ele me interrompe.

— Até sei lá que dia você namorava. Um namoro de quase um ano, Gabriel — minha voz soa tão idiota, como um menino, uma criança e eu odeio isso — Isso não é justo.

— O que você queria dizer? Achei que fossemos só amigos.

— Nós somos. Foi você quem me beijou, porra. — Eu o acuso.

Gabriel não responde. Ele encara seus pés, depois o corredor. Não aguento quando ele me olha. Deve ser tão óbvio. Sim, eu pensava sobre beijá-­lo, eu pensava se um dia seu relacionamento teria um término, eu pensava em como seria se eu o tivesse conhecido quando ele estava solteiro. Eu pensava que nunca deveria termos nos tornado amigos, porque era óbvio quando eu só o via passando pelos corredores que não poderíamos ser só isso. Eu me deixei levar antes mesmo de conhecê-­lo.

Mas é o olhar dele que acaba com tudo aqui e agora. Tão diferente da forma doce que ele olhava para seu ex namorado. Era aquilo que eu queria. O olhar doce, os abraços fora de hora, os beijos sinceros, o sorriso — o maldito sorriso —, as carícias na mão, os beijos sérios. Eu tinha passado tempo demais observando os dois, eu odiava quando saíamos juntos, eu não conseguia prestar atenção direito em mais nada além de como os dois eram bonitos juntos.

— Me des...

— Cala a boca.

— Eu...

— Eu não quero saber, Gabriel — as palavras saem duras, eu o encaro. Não quero mais ficar aqui, não quero o ouvir me pedindo desculpa, ou colocando a culpa em qualquer outra coisa. E não quero que ele fale sobre seu ex namorado. Não posso mais ficar. — Eu te vejo quando esse final de semana acabar.

Não olho para trás quando saio andando e não paro quando Gabriel me chama de volta. Só fujo antes que tudo comece a ruir e eu o perca.  

GabrielWhere stories live. Discover now