Parte II - Solstício

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As ondas balançavam no seu velejar rumo ao destino que aguardava. Uma jovem moça vestida de forma modesta e sem grandes adereços, contemplava o infinito das águas a sua frente, que desembocavam no desconhecido. Esse desconhecido que ela fitava com tanta insistência no horizonte, era onde ela queria estar, de onde ela não queria ter saído, ou melhor, fugido. Sim, a culpa a perseguia como uma sombra, um lembrete da sua promessa não cumprida, da palavra proferida, mas não feita.

Ela segurava uma carta amassada lida várias vezes durante a jornada desde o dia em que a mesma chegou como um presságio definitivo para os anos de sofrimento que enfrentaria - este marcado por eventos infelizes que prorrogaram a felicidade dela e de tantas outras jovens moças.

A situação também não era inédita porque se tornou muito comum nos últimos cinco anos - a espera eterna dos que foram para a guerra, as tristes notícias, as felizes notícias, as indiferentes notícias. Todas elas circularam em torno daquela jovem dos olhos cinzentos e sempre marejados - da alegria desperdiçada, de um rosto bonito que há cinco anos não sabia o que era sorrir desde o dia que abandonou o lar, numa fuga desesperada para o Velho Mundo para salvar-se a si mesma junto com a família.

Ela deixou, porém, uma carta para ele. Não podia evitar em deixá-lo, mas ela jurava que o esperaria mesmo assim. Ele já estava em campo de batalha na altura dos fatos e nem mesmo ali, tanto tempo depois, ela não sabia se ele tinha recebido a missiva.

Era a premissa do verão depois de um rigoroso inverno na França, ali no meio do nada do Pacífico rumo ao Atlântico, ao amor há tanto esquecido.

E que poderia estar morto enquanto ela relia pela enésima vez a carta que era a última lembrança que Miss Annabeth Chase possuía do noivo.

***

- Miss Chase! Que surpresa encontrá-la aqui!

A voz suave de Mrs. Jackson soou como música aos ouvidos da garota e ela não sentiu vergonha em deixar algumas lágrimas escorrerem ao abraçar aquela senhora que sempre foi tão bondosa para com ela, e a única que se tornou um elo entre ela e o filho, este que povoava os pensamentos da moça todos os dias.

As perguntas de praxe foram feitas, o chá com os biscoitos foram servidos na simples casa de um povoado da Irlanda, tão tranquilo e pacífico comparado com a caótica Paris. O assunto há tanto esperado foi introduzido - Miss Chase sentia que a curiosidade iria explodir a sua mente.

- Mrs. Jackson, onde ele está e como ele está de verdade? A senhora contou muito pouco na sua última carta. Eu preciso saber a verdade.

A trêmula última frase da moça comoveu o coração de Mrs. Jackson, que entendia o sofrimento e sentia toda a compaixão por aquela garota que se tornou como uma filha nos últimos anos. Ela não sabia se teria a total firmeza de espírito para suportar a ausência do único filho se não tivesse o apoio daquela jovem - sendo que dois anos antes, o marido havia morrido nas mãos dos mesmos inimigos que destruíram tantos sonhos, como os dela própria e daquela moça a sua frente.

- Percy está aqui, Miss Chase. Graças aos céus ainda existem pessoas de bom coração nesse mundo que de forma muito caridosa o trouxe para mim depois do que aconteceu...

O peso do mundo foi tirado dos ombros de Miss Chase. A sombra da culpa desvaneceu-se sem dizer adeus, pois era a companhia dela nos últimos anos e ela não fazia questão nenhuma de se despedir. Já ia muito tarde. A esperança e a alegria tomaram o lugar no coração da moça. Entretanto, ela percebeu que nem tudo estava bem.

Com o coração acelerado, ela indagou:

- O que aconteceu com ele, Mrs. Jackson? Posso vê-lo?

Nevoeiro (Percy & Annabeth)Onde histórias criam vida. Descubra agora