Haviam dias em que tudo o que eu queria era fechar os olhos e esquecer o mundo.
Aquele era um desses dias.
Uma manhã tenebrosa no escritório, uma tarde com reuniões estressantes com clientes que não decidiram nada, apenas tomaram grande parte de meu tempo e ao chegar em casa, esperando nada mais do que um pouco de relaxamento e meus pés para cima, dei de cara com a lavadora e a pia, cheias o suficiente para me fazer gemer de frustração e querer chorar.
Eu estava exausta por um dia terrível e era minha noite cuidando da louça e a minha semana com as roupas. Eu bem poderia pedir para trocar com Kim, minha colega de quarto sempre animada e disposta, no entanto, eu não achava justo trocar com ela por mais uma semana.
Kim não tinha culpa se a minha vida andava atribulada demais por causa do serviço, nem por eu ser uma workaholic com tempo de menos e responsabilidades demais. No entanto, aquela pia parecia tão assustadora com todos os seus pratos sujos e copos empilhados que tudo o que eu queria fazer era encostar no balcão e chorar. Era humanamente possível estar tão cansada quanto eu me encontrava?
No entanto, eu colocara na minha cabeça que todo aquele cansaço e esforço valeriam a pena. Eu seria sócia. Eu estava dando tudo de mim naquele escritório com uma finalidade. Eu seria a próxima sócia de Perry, Wilde & Stevens. Eu sabia que seria, eu tinha todos os requisitos que eles precisavam em uma boa profissional e já dera todas as indicações de que eu era a melhor escolha deles. O que mais faltava para ser sócia e ter meu nome naquela porta espelhada?
Empenho era que não era. Em alguns dias daquela semana eu chegara em casa depois da meia noite, ocupada com casos Pro Bono e outras discussões jurídicas que eram mais importantes que meu jantar ou minhas noites de sono. Ou que a louça suja, eu notava agora.
- Pearl, ainda bem que você chegou! – a voz animada vinha de trás de mim e me obriguei ao máximo a sorrir para Kim. Ela era minha melhor amiga e merecia um pouco mais de empolgação da minha parte. Ainda que a única coisa para a qual tivesse disposição no momento era para deitar e dormir por dias.
A loura de cabelos compridos sorriu com alegria ao ver-me e me vi fazendo o mesmo. Ela era a minha mais velha amiga e todas as nossas diferenças pareciam se desfazer quando estávamos juntas. Éramos mais do que simples amigas, era mais do que isso. Era um laço que fazia com que nos compreendêssemos ainda que fôssemos como azeite e água no que dizia respeito a nossas personalidades.
Bastava um olhar para meu terninho profissional e para a enorme quantidade de pulseiras de prata e nas tatuagens de henna de Kim para que se notasse que vínhamos de mundos muito diferentes.
- Kimmie, eu prometo que vou lavar a louça, só preciso de alguns minutos.
- Você precisa de mais do que isso, por isso vou cuidar da louça pra você hoje.
Minha sobrancelha se ergueu e estaria ainda mais alta se eu não fosse tão acostumada com as maneiras radiantes, ainda que calmas, de Kim Harding. Ela era gentil e solícita, mas odiava lavar louça, o que me deixara bastante intrigada com o seu oferecimento.
E eu não era uma advogada tão boa, ou sua amiga há tantos anos, à toa, eu sabia que havia algo sendo escondido de mim.
- Diga logo, Kim.
- Eu lavo a louça e lavo a roupa se você permitir algo.
Mais um erguer de sobrancelha e dessa vez, Kim viu que não adiantaria mais enrolar. Eu queria saber o que estava acontecendo e queria naquele instante. Assim, minha melhor amiga sumiu em seu quarto e voltou logo em seguida com um objeto estranho em suas mãos.
Aquilo parecia uma estranha chaleira cor de bronze e antiga. Conforme Kim aproximou-se, notei que haviam vários desenhos por toda ela, gravados no próprio bronze de uma maneira que fazia a peça parecer ainda mais valiosa.
- O que é isso? – perguntei curiosa enquanto ela colocava o objeto em minhas mãos. De perto eu podia ver que não era exatamente uma chaleira, parecendo-se mais com uma daquelas lâmpadas árabes que víamos em filmes. Também era possível ver, assim mais de perto, que aquilo que achei serem desenhos eram inscrições em árabe. Uma língua que eu não sabia ler, mas cujos traços eram característicos.
- Estive com Tallulah hoje.
Soltei mais um gemido, dessa vez de impotência. Tallulah era a guia, xamã ou fosse lá como Kim a chamava e segundo minha amiga, essa tal mulher a estava ajudando em sua jornada espiritual. Tudo bem enquanto estava envolvendo apenas incensos mal cheirosos e velas espalhadas por nosso apartamento. Quando Tallulah começara a envolver dinheiro fora que a minha preocupação começara a nascer.
Kim era um tanto inocente e sua ânsia em sempre ser um ser evoluído espiritualmente, às vezes ela era vulnerável a charlatães e eu tinha um grande pressentimento de que a tal Tallulah era tão falsa quando o seu nome xamantico.
- Não, escute. Ela me garantiu que grande parte da aura ruim nessa casa pode estar vindo do seu estresse e me pediu para te dar a lâmpada. – eu dei uma risada seca, sabendo que aquela lâmpada não sairia de graça, como outros objetos estranhos e que "limpavam a má aura do ambiente" que haviam surgido recentemente naquela casa. – O que você tem que fazer é bem simples: relaxar e esfregar a lâmpada.
- Só isso? –fui irônica, mas para minha sorte, ou não, Kim raramente entendia sarcasmo.
- Sim. Bem simples! E como eu quero que a energia do nosso lar fique limpa logo, quero que vá tomar um bom banho, se deitar, relaxar e esfregar a sua lâmpada.
Ah, isso explicava muita coisa, especialmente a ânsia de querer realizar as minhas tarefas. Não querendo discordar com Kim, simplesmente sai da sala com a lâmpada e a levei para o banheiro, realmente desejando realizar um dos pedidos de minha amiga.
Eu precisava de um banho, de preferência com todos os sais e espumas que eu pudesse. Eu só queria ficar imersa na água quente e quando finalmente consegui fazer isso, estendendo minhas pernas dentro da banheira, soltei um som de contentamento e inclinei a cabeça para trás, pronta para imergir completa mente, mas minha nuca bateu em algo maciço e me virei, procurando a torneira.
Não seria a primeira vez que eu batia a cabeça na torneira, buscando relaxar por inteiro na banheira, mas a torneira não era a razão dessa vez. O objeto era bronze e maior do que eu me lembrava à primeira vista.
Maldição, a lâmpada.
Eu estava tão confortável na água quente, rodeada de espuma cor de rosa com o cheiro de jasmim que tinha até esquecido que Kim havia me dado aquela lâmpada esquisita. Estendi a mão e a segurei com cuidado, até notar que meus dedos estavam cheios de sabão e haviam manchado uma das partes cheias de escrito, perto do bico alongado.
- Droga – resmunguei enquanto passava a mão com cuidado, tentando tirar o sabonete que ficara grudado ali perto. E se eu danificasse a lâmpada e Tallulah quisesse cobrar ainda mais de uma porcaria recuperada em um bazar de garagem qualquer?
No entanto, ao invés de sair, o sabão pareceu se espalhar, fazendo todas as letrinhas brilharem em branco antes de uma leve fumaça da mesma cor sair pelo gargalo da lâmpada. Okay, aquilo estava começando a ficar estranho, já que as letrinhas não paravam de se acender, ficando cada vez mais brilhantes e tomando o espaço completo da lâmpada. Soltei o objeto ao lado da banheira e me levantei com pressa, pegando meu roupão e o colocando de uma vez, assustada com a quantidade de fumaça que estava saindo pelo bico fino.
Ótimo, eu seria envenenada com gás. Obrigada, Tallulah, era a morte que eu sempre quisera.
No entanto, a névoa que subia não tinha um cheiro ruim, mas sim uma mistura de sândalo com outra coisa que eu não conseguia identificar, mas era bom e calmante e começava a subir por todo o banheiro, deixando-o completamente branco e impossível de se enxergar em meio à imensidão branca para meu desespero. Quando estava pronta para gritar, ela começou a se dissipar.
No entanto, eu não estava mais no meu banheiro.
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Make a Wish
RomanceKim Harding sempre prezou a boa energia ao seu redor e desde que sua xamã Tallulah disse que a sua melhor amiga, Pearl Woodman estava tensa demais, decidiu que daria um jeito de relaxá-la para tornar a aura do apartamento que dividiam pura novamente...