O meu bloco de anotações se enchia de notas mais que válidas sobre o meu caso. A empolgação fazia com que eu nem ao menos percebesse que grande parte das pastas que se amontoavam em minha mesa já haviam sido análisadas.
A sensação de estar no caminho certo apenas fazia a empolgação maior. Eu sabia que ganharia aquele caso pelo simples fato de que eu estava do lado da justiça. Eu não teria apenas o prazer de ajudar aquela linda garotinha, mas também o de receber um grosso cheque de compensação por todas as dificuldades que aquela pobre família passara pelas artimanhas da seguradora.
Duas batidinhas na porta me tiraram do transe que mantinha meus olhos presos às minhas anotações. Sem esperar por autorização, o Sr. Perry entrou em minha sala com um sorriso ferino em seus lábios.
A sua expressão lembrava a de uma raposa entrando no galinheiro. Uma sensação de desconforto se instalou em mim pois, de alguma forma, eu tinha a plena certeza de que eu era uma das galinhas que viraria o jantar daquela raposa.
- Você sabe que foi a minha escolha para a sociedade, não, Srta. Woodman? - disse enquanto se sentava em uma das poltronas alcochoadas em frente à minha mesa.
O orgulho por ouvir aquelas palavras quase afastou a sensação de que algo estava terrivelmente errado, mas apenas quase.
- Eu agradeço a confiança em meu potencial, Sr. Perry.
- Você é uma profissional inestimável para esta firma. Especialmente porque é esperta o bastante para sempre saber o que fazer, mesmo diante de momentos de crise.
Apenas o encarei, esperando para saber até onde a ode chegaria. Um sócio não costumava tecer tantos elogios a um advogado simples, como era o caso, ainda que eu fosse realmente uma das mais inteligentes e devotadas advogadas ali, a situação era extremamente atípica.
- E por ser tão inteligente, eu tenho certeza de que você entende que, para vencer, às vezes é necessário perder.
- Claro, Sr. Perry. - respondi, porém sem ainda entender aonde toda aquela conversa levaria.
Uma das pastas foi aberta pela mãos ossuda e enrugada do Sr. Perry e ele retirou com desdém a foto da pequena Alice debilitada, mas sorridente para a câmera.
- A Primetime Seguros é uma empresa muito grande. Uma empresa que a Perry, Wilde & Stevens teria o maior orgulho de ter no portfólio.
Nenhuma outra informação precisava ser dada. Apenas a imagem daquele com um sorriso dissimulado, deixando bem claro, ainda que nas entrelinhas que o meu lugar naquela empresa estaria assegurado apenas se eu fosse contra tudo o que eu acreditava.
- Para ter a sociedade eu preciso perder o meu caso. - concluí.
- Eu disse que era inteligente, Srta. Woodman. E não me enganei.
A fotografia foi arremessada, sem cuidado, por cima das pastas e o Sr. Perry enfim me encarou nos olhos, como que para deixar ainda mais claro o eu havia acabado de entender.
- Para ganhar a sociedade e uma das maiores seguradoras do país na sua cartela de clientes, a perda é necessária. - levantou-se e se dirigiu à porta, como se tudo o que houvesse a ser dito, já houvesse sido proferido - Mas o que são as vitórias nas guerras sem as perdas nas batalhas, não, Srta. Woodman?
A porta se fechou depois que mais um sorriso, tão completamente falso como todos os outros, fora dirigido à mim.
Levantei-me e fui até as janelas que revelavam ao resto do escritório o que acontecia em minha sala e baixei as persianas, me refugiando por alguns segundos enquanto me permitia perder a calma que tanto aparentei na frente do maldito dono de todas as minhas possibilidades.
Minhas mãos puxavam meus cabelos perfeitamente penteados naquela manhã enquanto uma porção de sentimentos me invadia. Dor, raiva, impotência, angústia, medo e especialmente a decepção.
Eu sempre soubera que aquela promoção não seria fácil. E exatamente por isso eu havia trabalhado o dobro que qualquer outra pessoa dentro daquele lugar, na ânsia de provar o meu valor, me perguntando à todo momento o que deveria fazer para prová-lo ainda mais.
Agora, o questionamento havia mudado. Se eu aceitasse fazer o que era imposto diante de mim, eu precisaria me perguntar qual o meu valor.
O que eu deveria fazer? Pelo que eu deveria lutar: pelo que eu sempre acreditei ou pelo que sempre desejei?
Meu corpo se deixou cair na mesma poltrona que Perry ocupava até poucos minutos e apoiei minha cabeça na mesa, sem saber por onde começar a organizar meus pensamentos. Não queria abrir os olhos e ver a foto de Alice, sorridente, esperançosa e lembrar da conversa que tivera com a sua mãe.
Haviam expectativas depositadas em mim. Ela acreditava em meu potêncial e havia colocado todas as suas últimas esperanças em minhas mãos. O tempo de Alice estava se esgotando, o valor da indenização era a última chance e uma na qual todos se agarravam com toda a força.
Eu era a personificação dessa esperança. Eu era a pessoa que estaria diante daquele juri, de peito aberto, levando todo o meu conhecimento e convencimento. Por elas, por mim, por tudo o que eu havia batalhado tanto para conquistar.
Sequei duas lágrimas que, até aquele momento, não percebera que estava derramando e voltei para a minha mesa, arrumando os cabelos novamente em um coque eficiente, desejando aparentar uma calma que em nada combinava com o que havia em meu interior.
Um pequeno pedaço de papel azul escuro chamou a minha atenção e segurei-o, sentindo o cheiro conhecido de sândalo emanar dele. Em linhas prateadas, a balança, símbolo da justiça, estava desenhada de forma impecável, com a palavra "justiça" escrita abaixo dela.
Cheirei o papel uma vez mais, sentindo o cheiro de Jawaad trazer calma para dentro de mim, e o guardei na gaveta, sabendo exatamente o que eu tinha de fazer.
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Make a Wish
RomanceKim Harding sempre prezou a boa energia ao seu redor e desde que sua xamã Tallulah disse que a sua melhor amiga, Pearl Woodman estava tensa demais, decidiu que daria um jeito de relaxá-la para tornar a aura do apartamento que dividiam pura novamente...