Capítulo 1

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Dias Atuais

O trânsito de São Paulo era intenso por natureza, mas hoje em específico, estava um caos. O som de buzinas e discussões, pareciam atravessar o estacionamento privado, entre as árvores, e chegar até o salão de jantar do restaurante, que estava lotado.

Nunca tinha ido a um lugar parecido, já que mesmo com o estilo rústico, que permitia ver as vigas de madeira do teto, o lugar transpirava sofisticação. As pessoas com o nariz em pé, as roupas caras e até a toalha de mesa, branca demais. Tudo ali indicava que um simples prato de macarrão, custaria mais do que o meu antigo salário, como estagiária numa clínica veterinária.

— Não vai comer? — Akemi estava tão quieta, que sua voz, em meio aquela bagunça, me sobressaltou. — Desculpa, te assustei?

Balancei a cabeça.

— Todos esses sons... — Me estiquei para pegar o copo de água, trazido mais cedo, pelo garçom. — As vezes eu sinto que vou enlouquecer.

— Você se acostuma. — Sorriu.

Apesar de nunca retribuir nenhum dos seus gestos de gentileza, eu tinha aprendido a gostar, um pouco, da mestiça. — Desde que Akemi tinha me resgatado, há duas semanas, ela vinha se esforçando para me fazer acreditar que nem todos os mestiços eram escrotos, como aquele ser patético que Theo arranjou para me transformar, junto com as meninas. — Eu não conseguia retribuir as gentilezas dela... talvez alguma coisa dentro de mim tenha se quebrado, além do concerto.

— Sim, sim. Estou ouvindo a mesma ladainha a dias e até agora, nada. — Eu soava como uma vadia ingrata, mas como não tinha muitos motivos para agir de um jeito diferente, não me desculpei.

— Controle seu humor, vai acabar arranjando confusão. — Me repreendeu e eu revirei os olhos, tomando um gole de água. Eu via o mérito do conselho já que ainda tinha pesadelos com as punições que recebia por fazer Theo e o Salvador, perderem a paciência.

— O Conselho de Zeus, deu alguma notícia? — Perguntei e ela suspirou. Depois que fui tirada do porão, ganhei um banho, roupas, uma refeição e a notícia de que teria que jurar lealdade a alcateia Ujk, se quisesse continuar em São Paulo.

— O conselho não quer ouvir sua contraproposta, Sarah. — Respondeu, finalmente, a minha pergunta. — Se não quiser jurar lealdade aos Ujk, teremos que encontrar outro clã.

Queria poder dizer a ela que eu já tinha minha própria alcateia, que ela podia dar um nome bonitinho para nós e designar um território sem dono, para a gente morar, mas eu não podia. Não se queria deixar as meninas vivas.

— E eu não posso ficar em São Paulo, sem ter que fazer parte de alcateia nenhuma? — Perguntei, mesmo sabendo da resposta.

— Não sem pedir para o Apolo ou para o Pietro. — Akemi deu de ombros. — E desde o incidente com o Theo no ano passado, eles decidiram não abrigar mais ninguém que não fosse Ujk ou Golveia. — Ela continuou e eu bufei, passando a mão no meu cabelo ruivo. Eu tinha ouvido falar da tentativa patética do Theo, de fazer a companheira do alfa Ujk, trabalhar pra ele. — Faça uma tentativa, se não der certo você pede permissão e vai embora.

— Saí de um cativeiro, para entrar em outro. — Ri, sem humor algum, olhando para o meu prato de massa, intocado em cima da mesa.

— Sei que é muita coisa para digerir, mas acredite, as nossas leis servem para deixar a nossa vida, melhor. — Falou despreocupada.

— Eu podia continuar sob a sua tutela... — Tentei e ela riu.

— Você não ia gostar disso, além do mais, vou sair do Brasil no próximo mês.— Ergui os olhos, surpresa com a novidade. — Sim, o conselho quer que eu vá atrás de alguém... problemático.

— Quem?

— Sarah, se quiser continuar viva tem que diminuir a quantidade de perguntas. — Ela disse e eu peguei os talheres, para comer meus raviolis com creme de queijo, gelado.

— Sim, mãe. — Revirei os olhos, espetando a massa com o garfo e depois, colocando-a na boca.

— Não é todo mundo que é paciente, como eu. — Falou, enquanto eu mastigava. Mesmo gelado, o ravióli daquele lugar, era o melhor ravioli que eu já comi.

— Mas, aproveitando que você é paciente... — Disse, depois de engolir. — Tenho uma pergunta hipotética, para fazer.

— Prossiga.

Espetei mais uma porção de ravióli com o garfo e coloquei na boca, mastigando-o devagar. Akemi arqueou a sobrancelha, mas não me apressou, enquanto eu terminava de comer, antes de continuar.

— Se alguém compartilhar informações — Segurei os talheres com firmeza, para as minhas mãos não tremerem, ao mesmo tempo que concluía meu pensamento. —, da alcateia com terceiros...

— Essa é uma pergunta, puramente hipotética? — Ela me interrompeu e eu me recostei na cadeira, depois de assentir com cuidado. — Então esse alguém deve mudar de ideia, senão será morto por traição.

— Entendo. — Respondi, voltando a comer. O alguém hipotético tinha que tomar cuidado para não ser descoberto...

— Sarah — Ergui os olhos na direção da Akemi, antes dela continuar. —, não faça nenhuma besteira. Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, me chama e eu te ajudo.

Sorri.

— Calma, mana. — Larguei os talheres e peguei a taça com água. — Foi apenas uma pergunta inocente, não estou planejando fazer nada.

— De qualquer forma... — Ela tamborilou os dedos na mesa. — Você tem meu número, se tiver problemas, me ligue.

— Até parece que está se despedindo. — Tomei um gole da água, observando-a com cuidado.

— E estou. — Arqueei a sobrancelha, ao mesmo tempo que o som de pneus cantando no asfalto, chamou a minha atenção, além da dos humanos à volta. Olhei para o lado, e mordi o lábio inferior, quando a picape barulhenta, parou no estacionamento. — A Maya e a Kyra vieram te buscar...

Trinquei os dentes, quando duas mulheres desceram do carro. As duas eram baixas, mas a de cabelos pretos, chamou mais a atenção. Mesmo de longe, sem conseguir ver com clareza os olhos azuis que te encarava como se você fosse inferior, só por existir. Eu a reconheci...

— Maya, a fotógrafa?

— Vocês já se conhecem? — Akemi sorriu ao mesmo tempo que voltei a encarar ela. — Então, isso dispensa apresentações.

— Infelizmente sim. — Trinquei os dentes e ela franziu o cenho, sem dizer nada. — Será que tem alguma coisa que eu possa dizer pra você me levar para fora do país com você?

— Sério? — Mordi o lábio inferior, quando comecei a sentir o cheiro dela, perto demais.

— Akemi, me desculpe pela demora. — Fechei os olhos, quando ouvi a voz da Maya, para controlar a raiva. Por mais que não gostasse da melhor amiga do Matheus, eu tinha trabalho a fazer e infelizmente, isso não incluía fugir do país, com o rabo entre as pernas.

---------------------- APENAS CAPÍTULOS DE DEGUSTAÇÃO -----------------------

[DEGUSTAÇÃO] SARAH- Livro II da Série PrometidaOnde histórias criam vida. Descubra agora