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O dia amanhece e eu me levanto com o Sol. O que costuma me acordar é o canto dos pássaros que entra pela janela. Calço um simples chinelo feito com palha trançada, abro a janela e respiro aquele ar úmido, que indica que a chuva caiu a noite toda. Jogo um vestido simples no corpo, lavo o rosto e prendo meu cabelo em um coque. Assim que termino de me arrumar, alcanço minha cesta e vou pegar meu café da manhã.
Eu moro em um pequeno sítio, que era da minha família há anos, mas ao qual nunca mais tive acesso, até ter meus dezoito. Aqui cuido da minha própria vida, e das dos meus bichinhos, sem ter que me preocupar com a opinião alheia, já que meus vizinhos mais próximos estão a alguns bons quilômetros de distância.
Caminhar pelo chão ainda úmido, com algumas poças me acalma muito, me faz bem. Tudo está na mais perfeita calma, até que vejo o Bartolomeu preso, de novo, em cima de uma árvore, com o Theodoro sentado, se lambendo no pé da mesma, como quem espera seu amigo descer. Bartolomeu é um cachorro que se acha um gato, o peguei quando ainda era um filhote, numa caixa largada na estrada. -Argh. Isso ainda me dói! Por que alguém largaria um animal sozinho? - Já o Theodoro é um gato mesmo, que já era mais crescido e cuidou do Bartolomeu assim que ele chegou. Tiro-o da árvore, rindo.
- De novo com essa mania, Bart? Você ainda vai se machucar.
Ele abana o rabo, late e gira em torno de si mesmo, é assim que ele agradece toda vez.
Sigo pra pegar as frutas no pomar, o leite e outras coisas pro meu café da manhã, tudo feito aqui, da terra, da natureza, pra mim, numa relação de mútuo amor e carinho. No meio da minha plantação de morangos, um brilho no chão me chama a atenção, um brilho único e diferente, algo que eu com certeza já teria notado. Abaixo-me e o desenterro, vendo que apenas uma pequena ponta estava pra fora, ela deve ter sido exposta pela chuva forte que caiu. É uma pedra com uma cor estranha, um azul brilhante, como se tivesse glitter, e um líquido dentro. Sua beleza me encanta, e a guardo no bolso, logo depois de, em silêncio, ter pedido permissão pra terra da qual a tirei.
Volto pra casa, deixo a pedra na estante e vou comer. Enquanto estou comendo, costumo ler uns livros e diários deixados aqui pelos meus pais, é uma das poucas coisas que ainda tenho deles. São diários estranhos, com desenhos fantasiosos de criaturas mágicas, e palavras em línguas malucas. Isso me faz pensar que são só mais uns livros de historinhas que eles compraram pra mim, mas sei que foram escritos por eles, conheço a letra da minha mãe e os traços artísticos do meu pai. Deve ser nesses livros que eles anotavam as histórias que inventavam e me contavam quando eu era pequena. Vários desses seres eu me lembro, principalmente a Naríade, pois era minha favorita. Uma espécie de sereia, com uma cauda longa e em degradê de cores, que vai se afinando e por fim se abre em duas barbatanas, que me lembram um arco-íris. Cabelos escuros, pretos como o fundo dos rios, em contraposição com a cauda, e seus olhos são um azul escuro e outro claro.
Enquanto leio e mato a saudade, percebo pelo canto do olho um brilho forte. Levanto o olhar e noto que a pedra está brilhando muito, como se saísse realmente luz de dentro dela.
- Isso não é normal - falo comigo mesma. A pedra então começa a chiar assim que a pego, a emitir um apito agudo que me doí o ouvido. Bart começa a ganir e tapar as orelhas com as patas, enquanto o Theodoro já tinha sumido pela janela.
Não suportando mais aquele barulho, saio de casa num passo apressado, e a ponho de volta onde a achei. Ela acalma. Respiro de alívio. Ia voltando pra casa quando penso - cara, uma pedra azul brilhante tava emitindo luz e som e você vai dar as costas? - Bufo com meu próprio pensamento, dou meia volta e pego a pedra de novo, que imediatamente volta a chiar. Não sei o que fazer, até que enfim me lembro das crianças que choravam e gritavam quando perdiam algo do qual gostavam muito, então a aperto contra o peito e digo baixinho, como se sussurrasse pra ela:
- O que foi? O que você quer?
E pra minha surpresa, a pedra racha e pelo vão escorre um líquido viscoso e brilhante, como um petróleo bem azulado.
E eu ouço como um sibilo sofrido:
- Água.

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