Capítulo IV

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  Tenho que admitir que essa realidade é extremamente estranha. Já tinha se passado quase um semestre e nada da minha missão chegar ao fim. Tinha cruzado com milhares de pessoas, mas até agora nenhuma se parecia com um Sonhador. Mas é claro que não estar sozinho ajudava, e muito. Três enviados da Zona de Transição tinham chegado a pouco tempo, me mostrando que a Rainha Mirana estava ficando no mínimo desesperada. Marmorial devia estar passando por uma fase trágica, assim como o resto do mundo. Cada vez mais o peso da responsabilidade estava sobre os meus ombros, e eu não gostava nem um pouco disso.

   Pensando nisso que o despertador se fez soar, tirando de mim um resmungo alto. Virei de barriga para cima e esfreguei a cara, bagunçando o cabelo em seguida, frustrado. O som do objeto tinha conseguido fazer chuva e chá parecerem a melhor coisa do mundo. Sentei-me na cama e olhei para a janela. Uma brisa suave entrava, e o sol começava a nascer, então fiz a única coisa que poderia ser feita, me jogar de volta na cama e chegar atrasado no primeiro dia de aula.

— EI, EI, EI — A voz Shepon me acordou de uma fez só, como se já tivesse aberto os olhos somente com a aproximação dele. — Você está atrasado. Vai que é hoje que encontra a sonhadora, tem que estar preparado! — O pequeno me repreendeu, cruzando os bracinhos e fazendo uma cara emburrada.

   Eu esfreguei a cara e baguncei os cabelos em seguida, como sempre fazia quando estava nervoso. Shepon andou no estilo bravinho até a cadeira e pegou meu cachecol, o amassando e jogando para mim.

— Sabe, eu nunca vou me acostumar com essa sua cara. — Ele disse fazendo uma careta.

— Não fode. — Comentei desamassando o cachecol e o enrolando no pescoço. — E você acha que é normal te ver sem orelhas e um rabinho? — Perguntei rindo e me levantando. — Pelo menos aqui sou mais alto também, aceite logo, o irmão mais velho vai ser sempre mais bonito.

— UHUM. — Ele comentou contrariado, dando uma risada bem falsa em seguida. — Algumas centenas de anos não fazem tanto a diferença. — Ele resmungou baixo.

   Abri o closet e entrei, fechando a porta em seguida e deixando o pirralho falando sozinho. Nos dez minutos que passei lá dentro, fiquei nove só encarando as roupas, mas acabei no final pegando meu traje padrão. O casaco de couro preto e os jeans escuros já estavam até gastos, e eu não ligava muito para isso, mesmo que Shepon insistisse em dizer que eu ficava parecendo um mendigo retardado que achava que sempre estava no inverno.

   Quando estava prestes a sair, o pirralho fez questão de me fazer andar até a esquina com um sorriso no rosto, mas assim que tive a oportunidade, o desmanchei, enfiando as mãos no bolso e seguindo o tedioso caminho até a escola.

   Os portões estavam abertos, e não tinha ninguém para marcar em minha caderneta que eu estava atrasado. Pessoas daqui são complicadas demais, até quando estão vivendo suas vidinhas tranquilas, achando tudo uma grande aventura. Se soubessem da existência do meu mundo, com certeza iam sair correndo por ai arrancando os cabelos e se batendo uns nos outros, como ratinhos assustados.

   O corredor estava excessivamente cheio, então só me sentei em um canto, ignorando os sorrisos das garotas dos outros anos. Eu não ligava para elas, e parecia que quanto mais eu demonstrava isso, mais elas me enchiam a paciência. Nessas horas que dormir faz todo o sentido.

   Enquanto meus pensamentos voavam longe, eu observava a conversa das pessoas, mas tinha me certificado de colocar fones de ouvido antes. Não tocava nenhuma música, e eu só queria evitar que alguém se aproximasse. Foi nessa hora que meu olhar pousou em uma garota ruiva, extremamente familiar. Ela era burra ou o que? Eu tinha entregue a ela um relógio e um recado expresso para não se envolver com o que estava acontecendo do lado de lá. Talvez ela tivesse se esquecido de alguma parte do sonho, afinal, humanos são seres bem burrinhos.

Wonderland - A Redenção - HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora