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Como alguém que andava sem inspiração, ficava eu lá deitado, assistindo o mundo acabando com o que restava de mim. Assisti toda aquela batalha que me negava a reagir. Para que lutar? Assim pensava. Nunca fui alguém que acreditava em meu potencial, vivia correndo dos problemas, e acabava fugindo de mim mesmo, de minha própria resistência, negando o viver e entregando a existência. Mas chegou um dia que eu não pude mais correr; não tinha mais para onde ir. Foi aí que caí, e ri do poço que criei deixando os problemas para depois. Vi que o depois não existe, ele é o agora, é o momento em que temos que parar e pensar; será que é possível fugir para sempre? E se eu for rápido o suficiente? Mas não adianta. Não importa o quão rápido seja, tem coisas que sempre vão alcançar a gente.

Descobri que a vida é como matemática, se está fácil, está errado. Complicada como um cubo mágico, difícil de combinar todos os lados, sempre tem uma parte que falta se igualar. E assim eu seguia, sem saber qual parte faltava para completar e solucionar os meus problemas, talvez eu sempre estive fazendo as perguntas erradas, por isso as respostas de nada ajudavam. Eu que hoje devia sair mais, aproveitar minha juventude, mas fico trancafiado em um quarto de dez metros quadrado. Sinto-me mais confortável comigo mesmo, ou talvez eu tenha um problema sério em me relacionar socialmente. Sempre descrevendo o que acho possível de expressar, nem todos poemas podemos colocar em uma folha, alguns apenas só é possível sentir. Sedentário, fumante, preguiça de escola, sou um grande problema. Confuso, sempre chegando atrasado, sempre se metendo em encrenca, as vezes saia para espairecer, mas era raridade. Nos estudos... continuava dando a desculpa que o cérebro só aprende o que tem interesse, isso é um fato real, só dizia para justificar minha falta de interesse em tudo, na escola, nas pessoas, no mundo. Quase tudo, é, quase, eu não sou um puro desanimo, ainda tem coisas que me despertam interesse, tipo escrever. Eu amava isso, talvez por ter habilidade, talvez por ser a única coisa que eu saiba fazer.

Tocava o despertador naquela segunda-feira. Acordei com uma cara de quem tinha bebido todas na noite anterior, mas na verdade era comum acordar assim. Me bate um desanimo de começar tudo novamente, entrar naquela escola e ver aquela gente, aqueles que me olham como se fosse de outro planeta. Parecem uma plateia que está desanimada com um discurso. Me olham como se fosse diferente, na verdade eles que eram todos iguais, formadores daquela sociedade cercada de tabus e conceitos que na atualidade só serve para impedir que uma mente possa evoluir. E minha visão sobre eles? Não tenho o que falar, afinal, só convivo por estar no mesmo ambiente, que se dependesse de mim nem estaria lá. Mas era obrigado a estar.

Poderia ser o mais inteligente da sala, que se dá bem em todas as matérias, mas era um longo caminho para descobrir essa minha inteligência oculta, ou quem sabe difícil demais para eu tentar. Além de ser preguiçoso, não tinha persistência, acreditava que o destino era um só, e se eu nasci para ser um fracassado, sempre seria um fracasso. Mas gostava sim de algumas disciplinas, física e um pouco de química.

Apesar de odiar aquela escola e o tipo de alunos que a frequentava, sempre fui completamente vidrado em uma menina do terceiro ano, Aline West como todos a chamavam. Ela era aquela que sempre se destacava em qualquer lugar onde ia, com seus cabelos ruivos e longos, unhas e sobrancelhas sempre bem-feitas, olhos castanhos, e um sorriso... um sorriso que tirava minha concentração. Se existe uma coisa que me tiraria do quarto para cruzar a cidade em um encontro, essa coisa era a Aline. Nunca havia chegado nela, nem trocado um oi. Andava sempre apressada como se estivesse totalmente ocupada a todo momento. Saia com caras mais velhos, e com boa condição financeira. Ela não era garota de programa, mas sabia usar sua beleza para seu próprio benefício. Talvez um lance qualquer, ninguém sabe quais são as intenções dela, e quem sou eu para saber. Não a conheço, mas seria meu sonho conhecer.

Numa sexta-feira depois da aula, fiquei na porta do colégio esperando por nada, olhava para cima, aquela escada de cinquenta degraus me dava tontura, ainda mais com a ajuda do sol escaldante. Me aproximei de uma laranjeira que tinha logo em frente e escorei nela. Olhando para cima novamente, vejo uma ruiva descendo as escadas vagarosamente se apoiando no corrimão. Era ela, a deusa que me levava ao ponto mais profundo de meus desejos. Aquela que para ela não existo, ou talvez era por nunca ter chegado. Ela desce até o último degrau, joga o cabelo para o lado com uma sensualidade irresistível. Fico a observado numa distância de 15 metros. Foi aí que me bateu uma sensação bem diferente do que costumo sentir; coragem. Desencostei daquela arvore, olhei determinado para ela, que estava virada de costa na minha frente, porém se afastando. Dei dois passos, três, quatro, cinco passos em sua direção, até que... ela olha para trás. Eu congelo. É como se fosse um efeito que paralisasse todos meus movimentos, mas eu não parava de andar, passei por ela como se não quisesse nada, novamente eu havia fraquejado.

Naquela mesma tarde, não parava de me culpar. Todo o ocorrido naquele dia me atormentava, e eu não conseguia evitar. Apesar de parecer durão, sempre fui muito dramático, desde a perda da minha mãe, que era a única da família que eu tinha.

Ainda não disse com quem moro. Eu vivo com meus pais de adoção, mas apesar de se passar 10 anos após o ocorrido, ainda não acostumei com tudo isso, a perda, a nova casa.

Minha mãe foi envenenada pelo meu pai. Talvez tinha algum distúrbio, ou fez isso por algum motivo que ele próprio inventou. E ninguém entende o porquê.

365 Poemas de InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora