IV

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Sexta-feira, um dia antes do evento escolar. Acordo meio tonto, corro os olhos por todo o local, vejo que estou em meu quarto. Vejo meus braços, as pernas, só para ter certeza que estou vivo e que acordei daquele mundo psicodélico. O lençol está no chão, o quarto uma bagunça, e nem lembro quando eu dormi. Pego o relógio que estava estirado no chão. Já são 17:00 horas, eu nunca tinha dormido tanto na minha vida. Acabei perdendo aula de manhã. O relógio também estava trincado, mas por mais que esforço para lembrar o porquê, mais esqueço da noite que passei. Apesar de ter passado a grande parte dela acordado, é como se fosse uma memória temporária, que se perde após um longo sono. Respiro lentamente, acordando de um coma de curto prazo, sento sobre a cama, colocando as mãos sobre o rosto. Estou nu, e soado.

A casa está silenciosa. Levanto da cama e saio pelo corredor estreito que leva até o banheiro. Me olho no espelho e me vejo com uma puta cara de ressaca, e olha que nem bebo. Abro a registro do chuveiro, me entrego de corpo e alma para aquela água gelada, que desce feito cubo de gelo pelas costas, arrepiando e causando agonia em toda a pele.

Meus pais ainda não chegaram, disseram que viriam sábado, nesse tempo estou tendo que comprar o almoço e a janta. Por falar em dinheiro, a festa é amanhã e ainda não tenho o que vestir, e quero ir apresentável. Tem outro grande problema, ainda não falei com a Aline se toparia ir acompanhada por mim, e nessa altura não faço a mínima ideia de onde vou encontrá-la. Não tenho seu número, nem em redes sociais, eu estava tão acostumado a apenas observar, que não imaginaria que surgiria uma oportunidade assim. Por isso é melhor se prevenir, mesmo que seja do impossível, sempre vamos nos surpreender com as voltas que o mundo dá.

Já são 18:00 horas, saio em busca do que comer hoje à noite. Vou descendo pela rua vendo pessoas se recolherem em suas casas. Fim de tarde tem gosto de tristeza, ou felicidade pela vinda da noite. O sol está criando um brilho que se esconde dentre as nuvens, causando um sombreado alaranjado em toda aquela região do céu. Olhar esse horizonte me faz lembrar de todo meu passado e pensar em coisas que não faço a mínima ideia do que pode acontecer. Meu pessimismo faz evitar de criar esperanças por algo, mas nunca consegui deixar de acreditar em certas coisas. É bom sonhar e ter expectativa de que tudo vai ser como sempre esperou.

Bato no bolso de trás da calça, pego a carteira de Winston, tiro um do maço, acendo. Na primeira tragada puxo suavemente sentindo todo aquele veneno descendo pela minha garganta e chegando até meus pulmões. Deixo a fumaça sair pela boca depois da tragada, sem sopra-la para fora de mim. Sinto a nicotina e o alcatrão unindo-se com meu sangue, isso causa uma leve tonteira. Dou um riso de mim mesmo. Após o segundo trago, ergo a cabeça e solto mais fumaça para cima. Olho para o cigarro em meus dedos e não sei mais quanto tempo eu tenho, ou quanto tempo perco. Se vale a pena, ou se não vale o que faço, entro em um laço de dúvidas rotineiras, que posso carregar para a vida inteira e nunca conseguir esclarece-las.

Amanhã já é sábado e perdi a oportunidade de ter convidado Aline para ser minha companheira e ainda nem arrumei uma fantasia.

Quase meia noite, recebo uma ligação de Josh, dizendo que a mãe dele pode costurar uma roupa para que eu possa ir na festa, fico meio indeciso, porque agora vou ter que ir sozinho. Acompanhado ou não, eu iria. Tomara que eu dê a sorte de a encontrar desacompanhada, mas acho que isso seria impossível.

Sábado, 7:00 horas da manhã. Acordo com o cheiro de café que vem da cozinha. Meu pais devem ter chegado na madrugada, ou agora mesmo ao amanhecer. Levanto da cama, dou um beijo em minha mãe que está de frente para a pia coando o café. Passo por aquele corredor e vou para o banheiro escovar os dentes. Tomo café e pergunto como foi quando estavam fora, e eles também perguntam se eu não tive algum tipo de problema. Mas é claro que não, problemas? Logo comigo? Aqui sempre fica tudo em ordem.

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