☾ Capítulo 1 ☽

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              ☾ Capítulo 1 ☽
- Terra molhada, chuva e hortelã. -

   Continuou correndo o mais rápido que podia, seu abdômen doía e sentia que a garganta ardia sem parar, sentia a terra seca em seus pés e algumas pedrinhas machucavam seus dedos sempre que a avançava pela floresta escura, quando viu as tochas que...

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   Continuou correndo o mais rápido que podia, seu abdômen doía e sentia que a garganta ardia sem parar, sentia a terra seca em seus pés e algumas pedrinhas machucavam seus dedos sempre que a avançava pela floresta escura, quando viu as tochas que indicavam a entrada da vila, soltou um grito desesperado e continuou com a correria sem parar por nenhum minuto.
    Seu tornozelo latejava, suas mãos estavam sujas de barro e só parou de correr quando chegou em casa, esmurrou a porta com toda a força que sobrara em seu corpo, tamanha força que seus punhos imediatamente assumiram uma cor avermelhada no momento em que chocaram-se contra a madeira de mogno maciça.

— Já vai, já vai... — Aeryn reconheceu aquela voz, esmurrou a porta com mais força e deixou-se cair nos braços do homem a sua frente.

— Aeron, Aeron... Aeron! — Ela gritava com medo enquanto o apertava ainda mais e deixava o choro repleto pelo desespero finalmente escapar de sua alma.

    Aeron a apertou contra o peito e puxou-a para dentro de casa, como irmão mais velho o seu dever era sempre protegê-la, não importa o perigo existente.

— O que aconteceu? — Ele perguntou com a expressão preocupada.

    Sua visão estava turva e sentia os pulmões se espremerem dentro de suas costas, era como se estivesse dentro de um lago e seu fôlego já teria morrido, era um pânico silencioso que fazia apenas os olhos bicolores de Aeryn gritarem em sinal de socorro.

    Conseguiu enxergar alguns traços de seu irmão, o cabelo castanho com alguns fios ruivos e os olhos azul acinzentado, a pele pálida e o nariz levemente torto graças a uma briga de bar. As mãos firmes do rapaz apertavam seu tronco enquanto ele dizia coisas que a menina não conseguia ouvir mais.

   Tinha tantas coisas para dizer, mas sua garganta queimava como se acabasse de engolir uma dose de enxofre.

— Lobo... — Foi tudo o que conseguiu dizer antes da escuridão tomar conta de sua visão e mergulhar em um tanque de inconsciência.

                            

     Quando acordou, sentiu as pesadas cobertas de lã em seu corpo magro, afastou-as com gestos mansos e pôs os pés no piso gelado, imediatamente sentiu um arrepio percorrer as pernas

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   Quando acordou, sentiu as pesadas cobertas de lã em seu corpo magro, afastou-as com gestos mansos e pôs os pés no piso gelado, imediatamente sentiu um arrepio percorrer as pernas. Levantou-se com lentidão e enroscou seu corpo em volta da capa vermelha para cobrir a camisola que nem mesmo sabia como havia vestido.
    Deslizou a ponta dos dedos pelo papel de parede floral e espirrou ao sentir a poeira em seu nariz, parecia que não limpava o quarto a dias. Soltou um suspiro repleto de confusão e levou a destra até o rosto, o que havia acontecido?

  Girou a maçaneta e abriu a porta do quarto, nem mesmo o som irritante do seus pés sobre o taco de madeira a fez ficar menos inquieta, franziu as sobrancelhas pelo silêncio, não era um silêncio reconfortante, era...Horrível, casa sempre foi tomada por discussões de algumas risadas, então ter essa camada grossa de tensão sobre suas paredes quase a sufocavam.
    Mas existia uma coisa muito familiar, era como um frescor que a despertasse daquela parede silenciosa e a levasse para profundas lembranças gostosas da infância; o cheiro de bolo de baunilha e mel, isso Aeryn conhecia muito bem.

— Mamãe! — Gritou enquanto corria de forma desajeitada até a cozinha, estranhou o fato do tornozelo não doer mais.
    A senhora que estava sentada em frente a mesa quase saltou, sua mãe sempre foi bela, mas a bolsa azulada em forma de seus olhos pareciam estar sugando sua vitalidade.
   Os cabelos brancos que apareciam entre seus cabelos ruivos eram o charme que Aeryn sempre desejou ter, a pele sedosa, os olhos azuis celestes e o sorriso perfeito... Sua mãe tinha um patamar de beleza que ela sabia que nunca alcançaria.
   Tinha puxado os cabelos castanhos de seu velho, a íris que tinha a cor verde foi 'herdada' de sua tia avó, ao menos era isso que Charles, seu pai sempre dizia. Já o castanho sem graça também foi herdado de seu pai, a única coisa que a fazia ser parecida com sua mãe era o corpo magricelo e a pele branca como leite.

   Aeryn sempre afirmava que a genética da família decidiu lhe dar um belo chute no traseiro.

— Aeryn! — Annmarie exclamou enquanto levantava e corria até ela. — Eu...Você... É um milagre!

— Onde está meu irmão? E eu...O lobo!

   Colocou a destra em frente aos lábios ao lembrar-se daquele lobo, nunca mais queria reviver a sensação. Mas ela renascia em seu ser a todo minuto.
   Aqueles olhos dourados...O pelo negro, as presas...A dor que sentira enquanto corria...

   Era aterrorizante lembrar-se de tais coisas.

— Querida...Você dormiu por mais de uma semana, não sabíamos que iria acordar. — Sua mãe murmurou enquanto levantava e fazia Aeryn sentar-se em frente a mesa.

— Mais de uma semana?! Como assim?

— O seu pai foi até a vila para pedir medicamentos, assim que ele chegar você pode...

   Aeryn não esperou uma resposta, apertou a capa contra o corpo e saiu apressada de dentro de casa, andava de forma estabanada em meio a neve, não estava preparada para o Inverno, pois não sabia que 'estavam' no Inverno. Sentia um frio de doer os ossos já que estava apenas de camisola, ignorou sua mãe e continuou seu caminho.

  Uma semana? Como assim?
  Como alguém podia passar tanto tempo dormindo? Parecia até mesmo uma princesa que Aeryn certa vez caçoou em um livro.


  Tentou ir mais rápido, porém escorregava de forma estabanada sempre que seus pés tocavam as pedras da rua. Nevava sem parar, era como uma tela em branco onde mal podia enxergar para onde ia. Não conseguia enxergar a padaria, mas reconheceu o letreiro da Biblioteca, era uma placa enorme com o desenho assustador de um menino segurando um livro, talvez fosse por isso que várias crianças evitavam a Biblioteca.

  Sentiu seu corpo chocar-se contra algo macio, mas o baque a fez estatelar-se no chão.

   Quando ergueu o olhar, pôde ver um homem alto usando um grosso sobretudo cinza escuro, calças marrons, botas pretas de couro e luvas pretas. Sua pele era morena, entretanto, um tanto pálida, os cabelos castanhos eram avermelhados e os olhos cor de âmbar esbanjavam um olhar irritado. Aquele rapaz riu com sarcasmo e suspirou. 

— Preste atenção, sua idiota. — Sua voz era grossa e levemente rouca, talvez devido ao frio, mas fez Aeryn estremecer. 

— Ei! Eu não sou idiota! — Aeryn exclamou, então ajeitou sua capa e levantou-se, tremendo. — Perdão. 

— Espere um pouco. — Ele ergueu o rosto da moça e a encarou. — Ah, você é aquela garota de que todos falam. Tinha que ser.

— E você é o asno que não sai da minha frente. Tinha que ser. — O empurrou com um pouco de força e continuou andando de forma lenta, porém a cada segundo o clima tornava-se mais e mais frio, chegou a ter a 'miragem mental' de estar sentada em sua sala de estar, aconchegada em um monte de cobertores ao lado de seu irmão com uma caneca de café quentinho e a lareira acesa.

— Não sou eu que vai ficar com hipotermia se continuar no frio vestida assim. — Ele exclamou, então continuou andando à direção contrária.

— Melhor morrer com hipotermia do que passar mais um minuto ouvindo sua voz de mariquinha. — Praticamente gritou, mas tropeçou os próprios pés e caiu de bruços na neve.

   Aeryn mexeu a ponta dos dedos e arregalou levemente os orbes ao ver um pouco de sangue escorrer pelo seu nariz. O que estava acontecendo com ela?

    O rapaz revirou os olhos, então caminhou até ela e ergueu as sobrancelhas com descaso. Tirou seu sobretudo e jogou em cima da moça estabanada.

— Não quero ser o culpado pela sua morte, então pelo menos vista algo mais quente do que uma capa. — Ele murmurou, então suspirou e seguiu caminho.

    Aeryn apertou o casaco contra o corpo, então respirou fundo e soltou um suspiro ao sentir o cheiro de terra molhada, chuva e...Algo parecido com hortelã.

   Olhou para trás, todavia o homem não estava lá.

   Odiava aceitar ajuda, era uma menina muito esperta e segura de si, cheia de personalidade e até mesmo as vezes muito mimada.
   Foi pelo caminho contrário pois viu que não aguentaria o frio e chegou em sua casa, ignorou as perguntas de sua mãe e trancou-se em seus aposentos.
 
   Foi estranho, pois não conseguia soltar aquele sobretudo.
                           

    O entardecer havia chegado, o Sol começara a esconder-se no horizonte e a Lua cheia levantava-se nos céus

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   O entardecer havia chegado, o Sol começara a esconder-se no horizonte e a Lua cheia levantava-se nos céus. Assim que chegou em casa, suspirou e bateu a porta, então jogou-se na poltrona que ficava à esquerda da porta e olhou para o teto de madeira cor de âmbar.

   Bernard, por um momento, arrependeu-se por ter entregado seu sobretudo para aquela menina. Por mais que não sentisse tanto frio, ele era especial, já que ganhara de um dos seus tios que quase nunca aparecia em casa. Sozinho e perdido em meio aos pensamentos, segurou o cordão com a destra que nunca saía de seu pescoço. Este era de prata e tinha um pingente de Lua Minguante, sorriu ao lembrar-se de quando o ganhou, então suspirou novamente e levantou-se. 

   Pegou um livro fino na estante de madeira próxima à janela e sentou-se no sofá que estava levemente rasgado em um dos braços. O abriu e começou a folheá-lo. Sorriu de forma triste ao ver uma folha de papel antiga com um desenho rabiscado da floresta.
   Na entrada do local, havia um lobo e uma Lua enorme enfeitando o céu azul escuro. Aquele desenho era apenas um retrato de um dos sonhos que tivera na infância. Por algum motivo...aquilo lhe causava uma tristeza inexplicável.

                           

Aeryn dormiu toda a tarde e acordou depois do amanhecer, sentia-se cansada e dolorida, mas ainda assim tratou de por um vestido quentinho e um casaco, então pôs a capa e saiu de seu quarto apertando em seus braços o sobretudo que aquele homem lhe ...

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Aeryn dormiu toda a tarde e acordou depois do amanhecer, sentia-se cansada e dolorida, mas ainda assim tratou de por um vestido quentinho e um casaco, então pôs a capa e saiu de seu quarto apertando em seus braços o sobretudo que aquele homem lhe emprestara mais cedo.

   Costurou um furo que tinha no canto e o deixou sem pelinhos, parecia novo, mas decidiu manter o cheiro pois achou maravilhoso

   Despediu-se de sua mãe e olhou de forma curiosa para as pessoas da vila, puxou o capuz para cobrir seu rosto e soltou um suspiro ao não ver o homem mal-educado na multidão.

   Continuou em passos lentos a procura-lo, então franziu as sobrancelhas ao vê-lo... Indo para a floresta.  

Lua de PrataWhere stories live. Discover now