O Elevador

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Dezenove.

Cada botão acende com um verde neon no painel. Oito fileiras com três botões em cada somavam vinte e quatro botões e isso me incomoda pois o prédio tinha apenas vinte e três andares contando com o térreo, deixando vago e inútil o botão superior direito que não apresentava legenda alguma. Porque estou pensando nisso agora? Dezoito.

Alguns botões estão mais gastos que outros. O dez,  por exemplo, está consideravelmente mais desbotado e me faz questionar quem vive lá e porque usa mais o elevador do que os outros condôminos. Não tem importância, ou tem? Não sei quem mora no décimo e pra falar a verdade nem tenho curiosidade em saber. Minha curiosidade começa e termina alí mesmo naquele botão gasto que se destaca dos demais justamente por ser mais apagado. Qual é o contrário de destacar? Dezesseis.

Há quanto tempo estou aqui dentro? O tempo passa devagar enquanto o elevador faz ruídos mecânicos melodiosos no silêncio da manhã, como uma orquestra que antecede o cotidiano e que ao final do dia toca a mesma canção, mas de trás para a frente, um hino de triunfo e de derrota simultaneamente. Sinto o chão gelado e entao percebo que estou descalça no elevador. E foi quando olhei para baixo que comecei a sentir aquela sensação novamente. Quatorze.

As monótonas e metálicas paredes que me limitam agora tremem furiosamente como se acompanhassem o rufar de um tambor. Os botões do painel começaram a rodopiar descontrolados e cada numero impresso neles agora dança para fora da estrutura e acompanha essa melodia inaudível. De novo não, penso, mas já é tarde. Estou novamente tendo aquelas alucinações que confundem a minha mente e testam minha capacidade de diferenciar realidade e ilusão. Sei que tudo isso está apenas na minha cabeça pois as visões são claramente surreais, como um quadro abstrato que audaciosamente não segue nenhuma lei natural. Mas então como controlar esses efeitos produzidos pela mente se ela mesma não compreende o que vê?

Olho para o painel novamente e os números continuam a dançar, como se aquela fosse a nova realidade deles. Alucinações não deveriam ter efeitos aleatórios? Ora dançam, ora piscam ou tremem como as paredes...? Não. Apesar disso tudo não ser real, essa ilusão segue à rigor suas próprias leis e nessa realidade distorcida que estou vivendo agora qualquer painel de elevador apresentará o mesmo espetáculo de números dançantes. Onze.

Me viro para o espelho que preenche a parede do elevador com a intenção de me confirmar naquela alucinação e o que vejo não me surpreende, exceto por dois detalhes: o primeiro é estar descalça - jamais saíra descalça do apartamento; o segundo é a mão esquerda embebida de sangue apoiada no ventre. E então percebo que aquilo que me aconteceu não havia sido uma alucinação. 

Tento gritar por socorro mas a voz não sai. Ou sai, mas não a ouço. Não sinto dor, mas sei que preciso de ajuda imediatamente e a praticidade me impede de entrar em desespero. Antes de apagar sinto meu corpo mole cair por inteiro no chão frio do elevador ainda em movimento vertical, e naqueles poucos segundos de consciência eu me pergunto: não é o morador do dez que tem um yorkshire?

Flor-CadáverOnde histórias criam vida. Descubra agora