[31 de Outubro de 2012]
Ângelo tinha acabado de sair de uma festa de Halloween, às exatas três da madrugada na sua Ferrari preta, seguindo pela rota principal. Margaret se encontrava ao seu lado usando uma fantasia de coelhinha da playboy, que combinara de usar já que o namorado vestia-se de magnata.
A estrada estava tranquila e sem movimento, e a paisagem que se estendia ao lado se mostrava seca e arenosa; um deserto que se perdia de vista a cada lado que se olhava.
__ Não vejo a hora de chegarmos em casa. - falou ele, sorrindo maliciosamente, tirando uma das mãos do volante e colocando sobre uma das coxas desnudas de Margaret.
__ Tenha paciência, ainda vai demorar umas seis horas até chegarmos na cidade. Ninguém mandou seu primo morar no interior. - ela riu, pegando a mão dele e devolvendo ao volante. - Mais atenção, pode bater em algum carro. - ironizou, já que o local estava vazio.
Minutos depois, os olhos de Ângelo começaram pesar de sono. Talvez fosse a bebida em excesso ou apenas o fato de já estar tarde, mas mal conseguia mantê-los abertos por muito tempo. Olhou brevemente para o lado, vendo que sua namorada já dormia com a cabeça encostada na janela e não tinha como acordá-la para que revesassem a direção.
Tentou ligar o rádio, não funcionava.
Tentou abrir a janela ao seu lado, estava emperrada.
Tentou focar o olhar na estrada, tentou não apagar, mas sem perceber tirou um cochilo de duas horas e meia.
Ao abrir os olhos assustado, o carro estava parado. Se encontrava no banco que antes Margaret estava. Endireitou-se, limpando a baba que escorria pelo canto da boca, e respirou fundo olhando a paisagem do lado de fora; a mesma anterior, porém havia uma estranha árvore no local, com um corvo pousado sobre um dos galhos secos a encará-lo.
__ Margaret, como conseguiu pegar a direção? Estava dormindo quando ...
__ Fica tranquilo, amor. Eu salvei a gente. - interrompeu ela, segurando a destra de Ângelo. A mão da dama estava gelada como um ...
__ Cadáver! - gritou ele, ao finalmente desviar o olhar para ela. Tentou abrir a porta do carro, porém estava trancada. Era o fim! Ele morreria naquele momento!
__ Calma, querido. Não se lembra mesmo do que aconteceu? - perguntou, enquanto tentava arrumar a cabeça achatada de um lado. Pelo jeito, o crânio tinha quebrado e aquela tiarinha de coelho tinha cravado no couro cabeludo. - Vamos descer para descansar, talvez assim meu amorzinho se lembre.
[28 de agosto de 2006]
NÃO A ENCONTROU.
Não ainda.
Não naquele lugar.
A raiva entupiu suas veias e ele mordeu a mão para os vizinhos não escutarem seu urro de ódio. Provar do próprio sangue não tinha graça, mas evitava transtornos com a polícia e a inconveniência dos olhares dos curiosos. Terminou de beber e estancou o sangramento com um pedaço de pano.
Olhou ao redor: a mulher saíra e carregara todos os móveis. Agora, a brancura das paredes parecia tão opressiva quanto o eco de uma caverna, incapaz de cessar as repetições. Cada maldita parede sorria da sua derrota.
Há mais de trinta anos a procurava.
Não....
De certa forma, sempre a procurou – e , mais uma vez, o destino o atrasara e ele a perdera de vista.
Caminhou para o banheiro seu eu sorrir do espelho. Não deveria sorrir. Recebera informações erradas e, ao chegar ao prédio, entrara no apartamento de outra mulher.
Ele não percebeu o equívoco: como acontecia naqueles momentos, sua visão escureceu por horas e, quando acordou, estava de pé no meio da sala com a cabeça da garota sobre a mesa de centro. Só então notou o erro: ela não era parecida em com ele.
Nem um pouco.
— Idiota! Olha a merda que você fez!
Sorriu.
"Ieu qui fiz... Tu qui pegô o numero erradu ieu qui fiz?"
Entrara no apartamento 603 ao invés do 606.
— Mas você sabia... – correu para a cozinha a procura de um pano para limpar a sujeira. — Sabe, as vezes eu acho que você não quer sair de mim coisa nenhuma! Essa historinha de "encontre a alma gêmea para se libertar de mim"... Não sei como fui acreditar nisso!
"Num tem jeito mais.... Num nem não. Tem qui fazê o qui eu quizê! Nós tá aqui e vai ficá! Vai matá! Vai pegá e curtá, curtá e bebê, até tu achá ela... Aí a gente vê... É, vê sim... A gente promete... Vê sim. E a gente prutegi mininu, prutegi sim! Po matá! Eu deixo tudo sem ninguém vê... E alimenta nós! A gente precisa disso... Precisa pra..."
— CALA A BOCA! QUE INFERNO!
Ouviu risadas na rua seguido pelo barulho metálico de um motor. Correu para a janela da sala e, ao olhar para baixo, lá estava ela: franzina, os cabelos presos por uma fita de tema floral, ela se preparava para entrar no caminhão estacionado ali. Despedia-se do porteiro do prédio com um sorriso de orelha a orelha.
Um sorriso roubado dele.
Quando o caminhão partiu, parte dele mordeu suas entranhas. Uma gota de suor foi o símbolo do seu desespero. Por um segundo, cogitou a ideia de não ser ela. Largou tudo e correu para o apartamento duas portas adiante. A porta estava entreaberta e ele entrou.
Agora, parado diante do próprio reflexo, a cicatriz atrás da orelha vertendo sangue como se acabasse de ser feita, ele avaliava quais seriam os próximos passos. No fundo, porém, arrependia-se pelo não feito, dez anos antes, quando tivera a oportunidade de seguir sozinho e...

VOCÊ ESTÁ LENDO
Hollow Even
Short StoryCuidado com as vozes que ouve, cuidado com o estranho zumbido... Esse é o conto que retrata o desconhecido de uma forma que você nunca imaginaria. Quem está no controle de suas ações? Fotografia da capa: Steampunked world Autores: Dark Divulga e Hen...