O Mágico

2.2 - Ponto de Partida

Estava feito.

Izzie não poderia voltar atrás em sua decisão, agora teria de ir até o final e confiar no plano que o Eterno havia escrito para ela.

"Pelo contrário, visto que somos homens de Deus, aprovados por Ele para nos confiar Seu Evangelho, não pregamos para agradar as pessoas, mas sim a Deus, que prova nossos corações."

I Tessalonicenses 2:4

Aquelas foram as palavras que encontrou na Bíblia enquanto seguia na viagem de ônibus rumo a congregação para que fora designada na Califórnia. Izzie não fazia a menor ideia do que esperar quando chegasse lá, apenas tentou tranquilizar o coração e sabendo que tudo fazia parte de um plano muito maior e, ao contrário dos próprios planos, mais perfeito do que ela sequer poderia imaginar, repousou a cabeça no encosto do banco do ônibus e conseguiu dormir um pouco.

Estava um pouco descomposta quando acordou e percebeu que o ônibus estava estacionando na rodoviária. Ergueu-se com dificuldades devido ao tempo em que permaneceu sentada na mesma posição, e sentiu o corpo reclamar quando espreguiçou-se. Em seguida ajeitou o vestido florido que usava e pegou sua mochila que estava no bagageiro antes de deixar o ônibus. Momentos após conseguir resgatar sua mala junto ao motorista, obedeceu todas as instruções recebidas no centro de missões de onde saíra no início do dia, encaminhando-se para a entrada da rodoviária. Não demorou muito para que um casal muito simpático a abordasse, os dois devidamente identificados por seus crachás, e Izzie soube que eram os líderes locais que a acolheriam em sua casa.

- Izzie? - A voz do homem chamou sua atenção. - Olá!  Sou Josh Gyles e essa é minha esposa Cindy.

- Sim, sou eu mesma. - A jovem sorriu timidamente. - Vocês serão meus mentores, estou certa?

- Vamos orientá-la com toda certeza. - A voz de Cindy era amigável e animada. - Me dê um abraço, querida.

Logo a mulher loira e esbelta, com uma aparência incrível abraçou a garota,  fazendo-a sentir-se acolhida e desejada naquele lugar. Josh também a abraçou e apertou seu ombro brevemente antes de mostrar o local em que o carro estava estacionado. Izzie os seguiu e logo o celular tocou em sua bolsa, ela pediu licença para atender e quando o fez soube que se tratava da equipe da agência que estava monitorando sua chegada e querendo se certificar que os mentores a haviam encontrado no lugar agendado.

- Rotina. - Cindy falou enquanto abria a porta do carro para a jovem entrar. - Eles irão ligar para a gente e pedirão relatórios semanais tanto para você quanto para nós.

- Entendi. - Izzie apenas balançou a cabeça numa afirmativa. - Sem problemas.

- Esse acompanhamento garantirá a eficácia do trabalho. - Josh completou assim que entrou no veículo e deu a partida. - Você terá um ponto de apoio e poderá sentir-se segura. Todo problema que tiver pode e deve ser reportado para agência.

- Sinta-se livre, Izzie. - Cindy olhou para trás e sorriu. - Você não precisa ter medo ou se preocupar com nada. Mas caso aconteça, não hesite em falar conosco.

Izzie apenas sorriu de volta e ocupou sem tempo em observar as feições do casal que seguia nos bancos da frente do carro. Josh e Cindy eram muito belos, atléticos e simpáticos. Pareciam  ser jovens demais para liderar um ministério e Izzie freou aquele pensamento, ciente que estava fazendo um julgamento precipitado daquelas pessoas as quais nem tivera a chance de conhecer.

- Acho que você foi pega de surpresa. - Josh afirmou de repente.

- Como assim? - A garota no banco de trás quis saber.

- Bom... - Ele pigarreou. - Você parece um pouco confusa e distante.

- Amor... - Cindy censurou o marido com carinho. - Izzie acabou de chegar, ela não teve tempo para respirar ainda.

- Ele está certo. - A jovem interveio. - Nada nesse chamado parece estar no lugar para onde eu pretendia me mover.

- Talvez você esteja sendo movida para onde Ele pretende que você esteja.

Izabel considerou as palavras de Cindy por um longo momento, pensando nas verdades que estavam escondidas naquelas sugestões. Sim, era possível que a vontade de Deus para ela não fosse exatamente compatível com a vontade que a dominava.

- Você pode ter razão. - Admitiu.

- Geralmente ela sempre tem razão. - Josh comentou com divertimento na voz.

- Ele diz isso porque nem sempre me escuta.

Os três riram do comentário. O restante da viagem serviu para Izzie contar alguns detalhes a respeito de seu currículo e das atividades que exercia na sua antiga congregação, falar a respeito de suas motivações e interesses.

- Vamos passar na igreja antes de levá-la para casa, ok? - Josh anunciou.

- Amor... - Cindy pretendia dizer alguma coisa, mas foi interrompida por um olhar mais profundo de seu esposo que a fez calar.

Quando o carro entrou numa alameda arborizada que fixava a apenas um quarteirão da praia e bem perto de uma área movimentada da cidade, Izzie sentiu a tensão atingir seus músculos. Pararam diante de uma construção moderna e acolhedora que tinha uma placa discreta com os dizeres XXX CHURCH.

- Por que esse nome? - Ela quis saber.

- A sigla XXX nos faz conhecidos diante do nosso público alvo. - Josh respondeu enquanto trancava o carro.

- Nunca ouvi falar dessa congregação antes. - Admitiu.

- É porque não somos reconhecidos por todos, Izzie. - Cindy esclareceu. - Nosso público é seleto e prefere o anonimato.

- Não entendo.

- Somos a igreja dos pervertidos. - Josh falou sem papas na língua.

Izzie sentiu a boca abrir involuntariamente e os olhos arregalarem-se de surpresa. Ele não podia estar falando sério.

- Izzie... - A voz de Cindy era mansa. - Nós temos um trabalho específico, que é voltado para os artistas do mundo da pornografia. Os crentes que se julgam santos demais, importantes demais, separados e superiores não os querem por perto e eles não conseguem se adaptar muito bem à outras denominações.

- São discriminados?

- Julgados, maltratados, ironizados e evitados a todo custo. - Josh respondeu.

- Vocês também? - Ela não conseguiu terminar.

- Se nós saímos de lá? - Cindy percebeu a mensagem implícita. - Nós vivíamos na prisão da indústria. Hoje somos livres e ajudamos aqueles que vem até nós querendo mudar de vida.

- Nós também vivemos aquela realidade, Izzie. - Josh completou. - Nós sofremos e hoje ajudamos outras pessoas a encontrar um novo caminho. Somos a igreja dos artistas pornôs.