Capitulo I - Queimada

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Primavera de 1084 - Império germânico.

A sala mal iluminada cheirava a carne podre, o som de correntes penetrou o vazio inóspito que insistia em recair sobre os presentes. Todos se encaravam como se fossem monstros da pior espécie, como se nunca houvessem conhecido seus próprios passados ou vivenciado seus piores pesadelos. Mas a brincadeira dessa vez seria outra, o objetivo seria outro, a caçada havia começado e nada nem ninguém poderia parar. Seria um ato grandioso, uma cena digna de piedade e misericórdia, porém, para quem conhecia a história realmente a fundo, jamais sentiria algo tão singelo quanto misericórdia.

Pequenas sombras deformadas pela luz débil moviam-se com destreza pela sala, costurando as cadeiras grandes e pesadas, forjadas com fogo e lavadas com a água mais pura e sagrada já existente. Ali eram onde mantinham quatro seres diferentes acorrentados por grossas camadas de ferro bento e correntes seladas com as cinzas de São Cipriano, O Mago; faziam suas carnes queimarem, os ossos doerem e suas almas clamarem pela liberdade divina e bondade humana. Era a receita perfeita para os manterem presos em seus lugares, forçados a enfrentar o que lhes era justo, viver como lhes era imposto. O olhar daqueles que ocupavam os adornados assentos era de repulsa e ódio, nojo e uma pitada longínqua de desespero. A Bruxa, a Mestiça, o Assassino sem Alma e o Encantador de Mortos.

Uma das sombras retorcida riu quando viu a bruxa gemer baixinho sentindo o cheiro de carne queimada, vendo a pele se avermelhar e escurecer conforme se deformava os punhos finos e claros. Os longos cabelos vermelhos estavam soltos caindo como cascatas de cachos perfeitos em suas costas como um verdadeiro véu de sangue aveludado, os olhos de uma tonalidade jamais vista no mundo humano encarava cada rosto assustado atrás da bancada de jurados. Agora, depois de sentir a dor física, seu olhar se tornara frio e calculista, o retrato da assassina mortal e do ser diabólico o qual lhe incitavam.

O povo massivo do lado de fora daquele enorme Castelo gritava pedindo justiça pelos atos daqueles que eram julgados, clamando pela vitória dos carcereiros, orando e pedindo a quem quer que lhes ouvissem que aqueles malditos fossem mortos pelas mãos dos humanos cheios de bondade oculta.

Os quatro mantinham a cabeça erguida, e em suas mentes podres, tudo o que sentiam era real, era doloroso e triste, se intitulavam de forma diferente, chegando a ter pena de si mesmos: da Judas, da Escória, do Paria e do Lobo.

Para aquele júri carrasco e severo, aquilo era a prova viva de que Deus enviara pessoas ao mundo para que dessem fim a maldade existente, a maldição do desconhecido e mais forte. No fundo, homens como aqueles que ousavam se sentarem e se intitularem Juízes de Deus e Benfeitores do Divino não eram inocentes ou puros como alegavam ser. Noites de prazer e trocas de informação por simples segundos de dor deliciosa e erótica os faziam ser os capachos de monstros, e os quatro ali, eram os principais responsáveis por todo o jogo do prazer inescrupuloso.

As sombras que ali brincavam de assustar um dia foram homens bem vistos pelo clero e pela realeza, homens que defenderam a honra de todo o reino, os verdadeiros heróis dessa história, mortos pela ganância em nome do poder singelo e Divino, ao contrário daqueles sentados atrás da mesa, que mantinham suas posições graças ao forte domínio de persuasão e, consequentemente, controle de cada alma descuidada que ousasse se sentir reprimido.

- Viemos aqui hoje para dar início ao julgamento dos Irmãos Lebrianovh, a herdeira Gianccinni e Lord Kretas. Gostariam De tentar se defender de acusações como: Assassinato, perjúrio, atos contra deus nosso senhor, carnificina e magia negra? - Os olhos brilhantes de Lord Strieff, o homem que comandava toda aquela palhaçada disfarçada de julgamento, miraram a ruiva encantadora que insistia em manter o rosto impassível livre de qualquer sentimento que fosse, emanando de todo o seu ser, um ar de luxuria e provocação, algo que conseguia facilmente interferir nos pensamentos dos mais fracos daquele lugar.

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