Um urso no meio do caminho.
O filminho que rolava em minha cabeça teve de ser interrompido novamente porque minha mãe puxou a conversa:
"Pela minha pouca idade, o pessoal da enfermaria da casa paroquial não contava nada para mim, na esperança de que minha sorte viesse a mudar. E mudou: veio junto com este ursinho que você agora tem nas mãos".
Foi aí que eu comecei a me interessar mais pela história da minha mãe que até agora me era desconhecida. Jamais, e em tempo algum, poderia imaginar tais acontecimento na vida dela.
Ela nunca havia mencionado nada antes.
Mas uma coisa me deixou intrigado: por que um ursinho estropiado seria a mudança de sorte de minha mãe?
Apesar de estar voltado para ela, eu olhava para além dela e acabei perdendo a retomada da conversa, mas não tive coragem de pedir para ela retroceder na conversa e perdi o porquê do ursinho.
-x-x-
Antônia.
"...foi dessa forma que Antônia entrou na minha vida e eu na vida dela. Não só na vida, mas na casa também.
Ah, era ela que você conheceu nas histórias e chamava de avó, apesar de você nunca tê-la visto – nem por foto (nesse instante, vi um sorriso em minha mãe).
Foi ela quem me deu este ursinho aqui... ah, este ursinho! Foi com ele que passei os melhores momentos de minha infância, mesmo que longe da minha casinha de barrote, coberta de sapé e dos meus outros irmãozinhos.
Mesmo com pouca idade, eu já fazia planos de conversar com esta nova mãe sobre a minha família de origem.
Em algum momento eu iria falar para ela de mãe Zilda, do meu irmão Zezo que havia morrido, e do Lico, da Merinha, da Ramis e da pequena Tica, que era como mainha nos ensinou a chamar a caçula da família, a Marieta.
Eu estava bem e rezava a Deus para que alguém também estivesse cuidando de meus irmãos, da mesma maneira que minha Antônia cuidava de mim.
Não é que eu não quisesse voltar para lá, com os meus irmãos. A coisa era mais triste na minha situação. Eu sabia que não podia ir para eles porque não havia o que fazer lá se nem cuidar de mim mesma eu não podia.
E assim foram correndo os dias e os meses. Foi curioso saber que à medida que eu corava e ganhava peso, minha mãe Antônia ia definhando, como uma vela que se consome.
Não demorou muito e esta minha mãe também foi embora.
Vieram os parentes, limparam a casa: o que servia, puseram num carro; o que não servia, ficou na rua. E eu fiquei ali, junto das coisas que não serviam".
-x-x-
Infância aos pedaços.
Novamente a pausa foi quebrada com a iniciativa de mamãe.
"Foi somente muito depois, quando eu perambulava de porta em porta, até chegar de novo na porta do posto médico da casa paroquial é que fiquei sabendo da verdade.
Antônia era impedida me levar consigo, porque os seus parentes eram contrários; ela só pôde me levar para si, como sua companhia, quando estava em seus últimos tempos da doença ruim.
Dela, que Deus a tenha, ficou somente a lembrança do bom tempo de recuperação e este ursinho..."
Enquanto se benzia com o "nome-do-pai", minha mãe tomou para si o ursinho e se perdeu em suas memórias, enquanto acariciava aquele tecido surrado.
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URSINHO QUE FAZ CHORAR
RomanceO que poderia de acontecer de inusitado em um almoço? Tudo! Inclusive saber sobre a vida secreta de sua mãe. Assim é o enredo deste romance, que parte de uma cena comum de uma família na hora do almoço. A partir de um achado, entocado no fundo de...