Trivialidade

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Abrir os olhos pela manhã é a primeira coisa que as pessoas fazem quando acordam. O ar frio matinal sempre me agradou, e muito. É um dos momentos intrigantes de todos os dias, senão o mais. Saber que naquele momento você só tem duas escolhas: Continuar deitado ou se levantar; para fazer sua vida valer a pena ou por simplesmente continuar com a vida medíocre que você tem. Mas o que acontece depois não importa, o que importa é saber que você tem uma escolha, todos temos.

Levantei-me. Eu não sabia o que aconteceria dali em diante e, sinceramente, pra mim pouco importava. Eu nunca fui uma das pessoas que gostam de viver. A diferença pra mim entre acordar e continuar dormindo era que pelo menos no sonho eu tinha certa escolha do que poderia acontecer.

Se sonhando algo não me agradasse, eu poderia interromper ali mesmo. Caso eu estivesse em um pesadelo, bastaria acordar para interromper o terror. Mas nada na vida real é do jeito que queremos, nada pode ser controlado ou manipulado, e o tormento continua mesmo depois de acordar...

Na vida real, temos apenas uma ilusão de controle e de escolha, que fazemos com base no que sabemos. E eu sabia que eu deveria me levantar.

O silêncio soturno parecia me acompanhar, não como se eu não gostasse disso, mas dessa vez parecia diferente. Moro sozinho há três anos e nada melhorou desde aquela época. A mesma vida, a mesma rotina, e nada poderia mudar isso. Fui embora da casa dos meus pais por causa de brigas, e aprendi ali que fugir dos meus problemas é a pior maneira de me livrar deles.

Fui até o banheiro, liguei a luz e tomei o banho mais rápido que eu poderia tomar. Enrolei a toalha na minha cintura e fui até o espelho, enxugando o embaçado com a mão pra poder me ver melhor.

Do outro lado do espelho eu me vi. Lightning Fighter, por incrível que possa parecer, este é o meu nome. Um jovem (se é que posso me chamar disso) de vinte e cinco anos. Cabelos curtos e castanhos, olhos da mesma cor e barba pra fazer. Realmente não tenho nada de especial, e sequer faço questão de ter.

Ao voltar pro meu quarto, vesti uma camisa social, uma calça jeans e sapatos, com os calçados combinando com o cinto e sem gravata.

Enfim... Do jeito de me vestir até a hora de ir para o trabalho, tudo era a mesma coisa, idêntica e imutável. A rotina era praticamente inevitável, eu não tinha o que fazer para mudá-la. Caso eu quisesse ter uma vida no mínimo digna, eu teria que respeitar essa rotina. É mais uma escolha que as pessoas têm que fazer.

Chegando ao trabalho, cumprimentei o porteiro do prédio e peguei o elevador, subindo até o décimo terceiro andar. E era ali que eu trabalhava... Um escritório de recursos humanos.

Desde que a Inteligência Artificial foi criada, poucos trabalhos sobraram inteiramente para nós. Aquelas coisas bizarras são melhores programadores do que a gente, capazes de criar códigos numa velocidade dez vezes mais rápida e com quase noventa por cento menos erros do que um programador experiente. Mas, pelo menos onde eu trabalhava, recursos humanos ainda não tinha sido completamente dominado por eles.

Isso porque os humanos vinham se tornando cada vez mais raros em empresas, então o pessoal humano da empresa ia se tornando escasso e essa área estava quase morta.

O desemprego ainda não era um problema – apesar da especulação de que viria a ser nos próximos anos – graças aos humanos que, voluntariamente, partiram em naves para outros planetas a partir da metade do século passado. Agradecendo por isso, fui para minha mesa.

Apenas uma escrivaninha com algumas gavetas, uma cadeira, um computador e um telefone decoravam o local. Tirei minha blusa e coloquei sobre a mesa. Esses computadores, apesar de serem extremamente mais rápidos que os antigos, vêm deixando de ser usados há muito tempo. Só isso já diz o quanto o trabalho é horrível. A falta de opção crescente só me fazia tomar mais cuidado para permanecer ali.

Chronesthesia - O ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora