Epílogo

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–O que você tem? –perguntou Matheus segurando minha mão porém eu o afastei.
–Adeus. –murmurei saindo à passos largos sem desejar ser seguida, quando em meio à sala, as mãos de Collin cobriram as minhas e quando pensei em lhe pedir para que não o faça, ele estava ajoelhado, em sua mão direita um anel de diamantes dentro de uma caixinha de veludo vermelho e em seus olhos a expressão suplicante de sempre.
Não! Não! Não! Aquilo não podia estar acontecendo, não daquele jeito.
Pelo canto do olho, vi Matheus que do corredor assistia tudo, percebi a decepção em seu rosto, a raiva em seu olhar. Se ao menos eu tivesse um pouquinho mais de coragem!
–Gabriela, sabe, tivemos muitos dias juntos na Itália desde que nos conhecemos... Muitos mesmo. –começou Collin, mas eu sabia que aquelas palavras não eram tão verdadeiras assim. Na verdade, até um ano, nem amigos nós éramos. A expressão "quase estranhos" nos definia bem, inclusive. –Durante muitos anos procurei alguém para casar, cuidar, e ter filhos também. Na Itália, eu encontrei, você, Gabi...
–Gabriela. –corriji.
Alguns risos discretos se fizeram ouvir no silencioso salão lotado de espectadores. E então, a porta da frente sendo chutada por pés mui raivosos de alguém que eu bem sabia quem era. Fechei meus olhos tentando recuperar a cara de paisagem arduamente construída, porém, a sua partida também partiu meu coração, novamente.
–Acontece nas melhores famílias. –desculpou-se Talles com um risinho nervoso.
As coisas estavam diferentes, nós estávamos, mas aquilo não significava que eu não o amasse e desta vez, ele não me deixaria partir. Matheus propôs-me casamento, ele estava disposto à esquecer todo o passado, disposto à recomeçar, à construir sua vida ao meu lado, mas eu o recusei, para em menos de cinco minutos estar aceitando a proposta de um merdinha que nós dois sabíamos, eu não amava.
Sim, era sentata o bastante para saber que a segurança que meu coração precisava se encontrava em Collin, mas sempre havia um porém. Ele queria Matheus e não ao cara ajoelhado à minha frente, minha boca dizia não, mas meus olhos diziam sim, meu coração queria Matheus, somente um burro para não perceber aquilo. Quem eu queria enganar afinal? Jamais me casaria com ele. Jamais! O que eu estava fazendo ali? Por que estava usando salto se eu gostava de all-stars? Por que vestido se eu amava jeans surrados? Por que Collin se à quem eu pertencia era Matheus?
  –Como eu dizia, tivemos momentos incríveis e...
–Não. –murmurei encarando minha mão na sua, aquilo não parecia correto.
–Como disse? –perguntou Collin em pé se aproximando.
–Não! –disse com mais convicção.
–O que você...
–Não! Não quero me casar! Não agora! –disse em alto e bom som.
–Como assim?! A gente conversou...
–Não, Collin. Você conversou. E eu não vou me casar contigo. –disse o empurrando para mais longe de mim. –Sinto muito, mas não.
Uma onda de exclamações de pessoas escandalizadas se espalhou pelo lugar, o que me deu ainda mais coragem para fugir da multidão.
Corri para a porta escutando meu nome ser chamado repetidas vezes atrás de mim, mas ignorando todas elas, alcancei o portão e ataquei um táxi, o mais próximo que encontrei.
Não esperei para ver a expressão furiosa de meu pai. Ele me perdoaria, como eu o perdoei quando me abandonou. Iria demorar, mas ele perdoaria. Não era justo que sacrificasse a minha felicidade em prol do nada.
Matheus, bom, se esse ainda for o seu número, espero que sim, eu estou te esperando. No portão da nossa antiga escola. Sim, eu larguei tudo, não vou mais me casar. Não vou mais me casar por que não amo à Collin, tudo isso foi um enorme erro. Eu sei que você deve estar morrendo de raiva, mas eu ainda te am... –o som do alarme cortou o recado de voz, o tempo já havia acabado.
Ele viria, tinha que vir.
A escola estava vazia, às moscas, e por um minuto, perguntei-me se havia fechado as portas, mas então, de longe, vi a silhueta de Tácia, e incrívelmente, ela conseguia estar mais rechonchuda do que o que eu me lembrava. Agora, com cabelos grisalhos, ela parecia abatida e quase doente. Embora me sentisse tentada a correr até ela e pregar-lhe uma peça, resisti firme, eu precisava esperar por Matheus, ele viria, não viria?
Eu esperava que sim, já havia largado tudo, não havia mais volta. Porem, não seria a primeira vez ele à vacilar. Isso já aconteceu no passado, e as consequências foram as mais desastrosas possíveis. Não poderia se repetir. Era a última chance, o último apelo para nós dois. Estava em suas mãos o nosso destino.
Embora programado para não receber chamadas, eu sabia que meu celular estava sendo alvo de muitas ligações. Chamadas de pessoas curiosas, furiosas e preocupadas, e também as dos fofoqueiros, mas naquele exato momento, nenhuma delas me importava.
Durante os seis anos que estive na Itália, procurei fazer o que agradava às pessoas ao meu redor, ou seja, exatamente o que eu mais tripudiava. Mas tudo na vida tinha o seu tempo, e o meu havia chegado, o tempo de mudar, de realmente viver.
Apenas por curiosidade, verifiquei as horas, já faziam quase quarenta minutos desde que enviara o recado para Matheus. Teria ele trocado de número? Ou será que... Não! Ele não faria isso! Não desta vez.
A rua começava a perder o movimento, as luzes do internato já eram apagadas, o sol estava se pondo e as lágrimas que pensei nunca mais experimentar cobriam meu rosto, lançando em minha cara a realidade. Ele não viria. O que eu pensei afinal? Que depois de tudo, Matheus apareceria do nada com seu cavalo branco e me levaria ao seu castelo? Aquilo era vida real, não conto de fadas, e aparentemente, eu por um minuto esqueci disso.
Levantei-me da calçada batendo a poeira de meu vestido e agarrei os saltos entre os dedos, secando com as costas das mãos os olhos.  
Para onde iria agora? Casa? Que casa? Eu não tinha mais casa. Não depois do que fiz. No máximo, um convento me aceitaria.
O rugir furioso de um motor no fim da rua me fez recuar, uma Suzuki GSX-R1000 preta em alta velocidade rapidamente alcançou-me diminuindo sua corrida e com um movimento de mãos, o condutor livrou-se do capacete me revelando seu rosto.
–Não sei onde a princesa pensa que vai, mas garanto que chegará bem mais rápido se subir. –disse ele me oferecendo o capacete.
Não conti o sorriso e pulei da calçada para arrodear seu pescoço com meus braços.
–Você veio. –sorri.
–Bom, acho que sim. –disse ele um pouco confuso contendo o riso.
–Me perdoa? –pedi.
–Por o que?
–Por tudo.
–Gabriela, todas estas coisas que aconteceram, foram culpa minha. Nada seria igual se eu não tivesse te traído, traído o seu amor. A culpa é totalmente minha, mas eu não vou me desculpar, por que tudo aquilo, me proporcionou isso. –disse ele tocando o lado esquerdo de meu peito logo acima de meu coração.
–Te amo, Matheus! –disse subindo na moto e agarrando sua cintura por baixo da jaqueta de couro.
–Sei disso, amor. –disse ele acelerando.
Em poucos minutos tudo se transformava em simples borrões, sem forma ou sentido.
Matheus não precisava dizer as palavras, seus olhos falavam por si próprios. Eles me confidenciavam, que meu sentimento era recíproco, e me garantiam, que tudo daria certo.
Não importava para onde iríamos, ou como nos esconderíamos de meu pai, eu sabia que enquanto estivesse com ele, estaria protegida, estaria bem, seria feliz no nosso pequeno infinito. Para sempre, com o meu garoto.
O vento em meu rosto me dava sono e o aconchego de suas costas me dizia que seria seguro dormir, e antes de ser puxada para a inconsciência, o ouvi sussurrar, bem baixinho...
–Eu também te amo, minha Gabriela ...
  Ainda de olhos fechados e sorrindo, murmurei a única coisa que ainda restava de minhas dúvidas:
Cadê suas asas, anjo?

Cadê Suas Asas, Anjo?Onde histórias criam vida. Descubra agora