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Aquilo me dava dor de cabeça. Meus olhos estavam zonzos e não conseguia pensar. Como alguém conseguia escrever e viver daquilo? Eu sequer entendia o que estava vendo! E são gráficos! Fiz um intervalo, desci, tomei um café. Olhei para o relógio: quinze minutos para a meia noite. Folheei alguns livros sobre símbolos religiosos que o professor Carlos me emprestou. Abri em uma página aleatória. Um desenho de um objeto, formado por arcos, em uma cruz estilizada. A legenda dizia: Ank, símbolo de proteção egípcio contra espíritos e entidades malignas. "Hmmm... símbolo de proteção contra espíritos malignos..." olhei com atenção, passando o lápis por cima. Suas formas pareciam bem geométricas, matemáticas. É isso! Eu transformaria aquele símbolo em uma fórmula! Assim, peguei os livros de álgebra e, separando o desenho do ank em três partes distintas, uma parábola, um retângulo e um triângulo, em mais algum tempo estava com a fórmula pronta. Estava feia, longa, e muito complexa. Mas eu estava excitada demais para deixar para o outro dia. Escrevi à caneta a fórmula cuidadosamente na capa do meu caderno de escrita, fechei os olhos por um instante, respirando fundo. Quando abri, tentei deixar minha mente achar o caminho para sua dimensão própria. Num primeiro instante nada aconteceu, então, lentamente as palavras começaram a surgir. Uma, duas, três,... Dez, quinze, vinte,... Uma página, duas, três... Nada aconteceu! Nada sumiu! Aparentemente minha fórmula funcionou! Agora precisava ver se funcionaria também nos livros já impressos, mas estava com um bom pressentimento a respeito.

Os testes seguintes funcionaram. O primeiro foi As Duas Torres, do Tolkien. Tinha medo de abrir e ver que as palavras continuavam sendo roubadas pelo Devorador, mas não havia outro jeito. Abri a primeira página, as runas estavam ali gravadas, logo abaixo do título em português. Primeira página, tudo bem.

"Aragorn subiu correndo a colina. De quando em quando, curvava-se sobre o chão.

Os hobbits caminham com leveza e as pegadas que deixam não são fáceis de detectar nem mesmo por um guardião, mas não muito longe do topo uma nascente cruzava a trilha, e na terra molhada ele viu o que procurava.

- Interpretei os vestígios corretamente — disse ele para si mesmo. Frodo correu para o topo da colina. Fico imaginando o que terá visto ali. Mas ele voltou pelo mesmo caminho, e desceu a colina outra vez..."

"Até agora, tudo bem", disse para mim mesma. Fui até as páginas que haviam sumido as palavras e, infelizmente, aquelas desafortunadas continuavam desaparecidas. Aquilo me inundou de coragem, e verifiquei, um a um, que precisaria comprar livros novos, pois os que perderam as palavras e páginas, continuavam em branco. Mas, ao menos, eu tinha um plano agora.

Então, era isso. Eu havia descoberto como impedir a criatura, o Devorador de Palavras. Os dias passaram ser tranquilos, eu conseguia ler e, por incrível que parecesse, estava conseguindo prestar atenção na aula da professora Sandra – mas aquela minha crônica "Como alguém gosta de Matemática" virou um livro "Por que eu não posso odiar Matemática". E, naquele momento, antes de terminar o período onde víamos equações irracionais – fala sério! – estava terminando o quinto capítulo. Contudo, uma dúvida ainda me martelava a cabeça. Eu havia me protegido daquilo, certo. Mas ele continuava rondando por aí, esperando algum descuido, esperando alguém como eu – porque cada vez mais eu tinha certeza que ela só aparecia para mim, e o motivo disso desconfiava que fosse por meu amor pela leitura e escrita. Mas ele estava aí fora, espreitando, literalmente, nas sombras. E eu não podia deixa-lo assim. Por alguma razão, eu sentia que era meu dever impedi-lo de uma vez por todas. E é isso o que farei.


Aconteceu em Porto AlegreOnde histórias criam vida. Descubra agora