Acordei um tempo depois. Minha voz estava fraca, e, por um instante, senti medo. Vi rostos à minha volta olhando para mim, pareciam preocupados, aflitos, mas eram rostos estranhos. Tão logo a visão voltou ao normal e consegui me mexer, me encolhi próximo ao sofá atrás de mim, a almofada que me servia de apoio para a cabeça estava a minha frente agora, como se fosse um escudo.
- Pati, você está bem? – disse alguém, um rapaz loiro, bonito, em tom autenticamente preocupado. "Pati"? Seria esse meu nome? – Ele já se foi, prima. Você está a salva agora. Ele está preso em nosso piser. Funcionou! As runas e a tua equação funcionaram!
"Prima"? Ele era meu primo? Por alguma razão, ouvir aquilo me transmitiu certo conforto. Eu não estava sozinha, ainda que não lembrasse quem ele ou os outros eram. E o que diabos era um piser? E quem era o "ele" que foi aprisionado?
- Er... Desculpe, mas... – comecei a dizer com a voz fraca, fazendo força para lembrar as palavras – eu não lembro de vocês... Onde estou?
O rapaz loiro, "meu primo", olhou para mim e vi algo que deveria ser espanto e preocupação em seus olhos. Todos se entreolharam, e a mesma expressão estampava o rosto deles.
- Hmmm...- franzi a testa fazendo força para lembrar – acho que vocês me conhecem, né? – perguntei tentando levantar. "Meu primo" fez menção de me ajudar, mas recuei e levantei-me sozinha, sentando no sofá. Ele se pôs de joelhos na minha frente, segurou – apesar de meu protesto inicial, senti que era algo certo a se fazer – minhas mãos.
- Sim, prima. – respondeu – nós te conhecemos. Os outros tu conheceu hoje, a mim, tu me conhece desde criança. Tente lembrar! Nós tomávamos banho juntos na cachoeira na tua cidade. Sempre passávamos as férias juntos, ou na praia ou na tua cidade, quando você reclamava que apenas eu estava de férias, por que tu...
- via aquelas pessoas todos os dias! – interrompi – lembro-me disso!
- Isso! Você está voltando! – ele me abraçou com força. Pensei em reagir, mas seu abraço era tão gostoso! Fechei os olhos e aproveitei o momento. Um flash de memória passou pela minha cabeça. Eu tinha dado meu primeiro beijo... Não fazia muito tempo... Era um lugar que eu não conhecia bem, mas as pessoas lá eram legais, todas da minha idade... Era ele! Eu o beijei! "Preciso lembrar!", ordenei a meu cérebro. Franzi a testa e apertei os olhos com força. Eu escutava o som de sua voz, melodiosa, como se cantasse ao som de um instrumento. Estava escuro... Fiz mais uma força, quase lembrava seu nome, conseguia escutar o som de seu nome, mas não conseguia precisava a palavra. – Vamos, prima! Você consegue! Como é meu nome? – perguntou olhando em meus olhos, suas mãos uma em cada lado de meu rosto. Eu ainda não lembrava seu nome, mas a imagem de nosso beijo não saia de minha mente. Fechei os olhos por um instante e movi o rosto em sua direção, encontrando sua boca de novo. Senti ele me abraçar, uma mão enredada em meus cabelos, a outra nas minhas costas. "Vamos, cérebro, lembre-se!" Minha mente, ainda confusa, me respondeu que o nome dele lembrava "trigo". Nos separamos, tanto eu quanto ele tínhamos lágrimas nos olhos. – Pati, como é meu nome? – perguntou meu primo novamente.
Trigo... Trigo... Drigo... Arregalei os olhos – Rodrigo! Eu... Eu... Eu consigo lembrar! – abracei meu primo, um pranto autêntico se apoderou de mim, sendo confortado por ele e pelos outros, que seguravam minha mão, colocavam as mãos em meus ombros – foi horrível, primo! Minha mente estava em branco! Eu fazia força para lembrar, mas era tudo distorcido, apagado!
- Está tudo bem, Pati – Rodrigo me beijou novamente– Agora tu está bem. Do que tu te lembra?
Quando finalmente parei de chorar e sequei as lágrimas com a mão, contei para eles o que passou quando a criatura me atacou.
- Então foi isso. – conclui – a sensação de se estar sumindo, sabe? Tudo o que tu sabe, tudo o que viveu, conheceu – fiz uma pausa e segurei a mão de meu primo – ou amou, simplesmente é tirado de ti. É como se tu passasse a ser outra pessoa, e, por mais que tentasse lembrar, veria apenas pinturas quase apagadas antes de desaparecerem. Imagino que se eu tivesse tentado isso sozinha eu sequer saberia se sou uma pessoa ou o que. – resolvi ocultar que a criatura disse meu nome. – E como vocês fizeram para prendê-lo? – mudei de assunto – o que aconteceu quando ele me atacou?
- O Devorador colocou as garras ao lado da tua cabeça – PC começou a falar colocando as mãos em garras na cabeça da Clara, que deu um tapa na mão tentando que parasse. Ele voltou a colocar e fazer pressão com os dedos – Parecia que estava entrando no teu cérebro – "Ai! Para!" protestou a "vítima". – E conforme ele fazia isso, era como se o manto dele se abrisse e ele se aproximasse de ti, como se fosse te envolver com o manto dele. – esfregou os dedos rindo, pois a menina batera nele de novo.
- Sério? – assustei-me. Deve ter sido quando tudo ficou escuro.
- Sim – interveio em tom sério Rodrigo – Eu te puxei para baixo enquanto Chico passou por baixo dele e levantou o piser, quase enfiando na cara dele. Conforme tu baixava a cabeça, penso que estavam com algum tipo de elo, ele foi baixando junto. Quando tu estava abaixo do nível do jarro os outros vieram e o forçaram a entrar com as folhas das fórmulas. Depois que ele começou a entrar, ele gritou e começou, virou uma fumaça preta e foi sugado para dentro. Coloquei a tampa... E ali está! – apontou com a cabeça para a mesa, onde, horas antes, jogávamos RPG.
- Nossa! – exclamei. – Não vi nada disso. Era como se eu estivesse em um sofá assistindo minha vida ser apagada. Mas do grito eu lembro. Pra mim, soou como se fosse eu quem estava gritando...
- Sim, tu gritou também. – Disse Clara – ficamos todos preocupados.
-É! – exclamaram os outros eRodrigo, me abraçando, me beijou no rosto – Ainda bem que está de volta, prima.
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Aconteceu em Porto Alegre
General FictionPalavras que somem do papel. Pessoas que perdem os olhos ao ver um "flash". Mudanças radicais de comportamento. Até pouco tempo antes de ter que vir às pressas para Porto Alegre, nada disso parecia fazer parte da rotina de Patrícia, uma jovem...