Parte um

178 27 44
                                    

Fazia quinze anos que Daniel não comemorava o natal com a sua família. Era tudo o que mais queria, afinal, era o seu feriado favorito, mas parecia que estar em um asilo afastava a família dele de si mesmo.

Mais jovem, com seus trinta e dois anos e até mesmo antes, a sua sina era justamente vestir-se de Papai Noel, alegrar as crianças que ainda o viam como um protótipo fascinante e distribuir presentes para a classe baixa de seu bairro. À noite, conduzia um coral e um pequeno teatro encenando o nascimento de Jesus Cristo em sua própria casa.

O velho possuíra a boa ventura de ser feliz, uma vez que dedicava-se com tanto vigor a esta época do ano. Sentia uma imensa saudade de executar todas as atividades que organizava naquela época, mas com o passar do tempo tudo o que fazia era emitir um sorriso paisagem para todos que dirigiam-lhe a palavra.

O asilo tornou-se a primeira casa dele depois que seus dois filhos o deixaram para trás como se a sua existência não valesse nada. Ainda estava vivo. Ainda respirava o mesmo ar que bilhões de pessoas. Isso não valia como prova da sua subsistência? Irritava-o pensar que toda a trajetória de sua vida fora em vão. Mesmo que literalmente não havia sido. Afinal, fora a melhor parte da vida de Daniel. Este era um senhor com a alma de um jovem, capaz de fazer coisas mirabolantes para ver o próximo feliz, embora seu corpo negasse isso com unhas e dentes atualmente. Não podia simplesmente negar que frequentemente uma dor atordoante delineava sua coluna quando levantava-se de repente. Às vezes, ignorar não era o bastante. Não desviava a dor para outra pessoa. Ela o queria e ele a aceitou.

Era véspera de natal e onde ele estava os pacientes não podiam virar a noite para comemorarem juntos; apenas no dia seguinte. A pressa certamente era a inimiga da perfeição, principalmente da boa ação nesses feriados. As pessoas queriam aproveitar a ceia farta que os esperavam em casa e não estar rodeados de velhotes que mijavam na cama todos os dias. Não havia ninguém interessado em ouvir as histórias que os idosos tinham para contar. Não somente Daniel, mas também todos que dormiam na véspera sentiam falta de escutar a vibração das risadas que seus netos e bisnetos propagavam na atmosfera ao rirem do que recitara para eles.

Sem conseguir pregar os olhos e sonhar por algumas horas a fio, o senhor Daniel saiu de seu quarto e deitou-se em uma rede, na pequena varanda que seu quarto compartilhava. Entrelaçou suas mãos e repousou-as em seu peito e proferiu:

- Até quando viverei, Deus? Até quando a minha solidão permanecerá intacta?

Olhou para o teto, descobrindo algumas teias de aranha nos cantos das paredes.

- Estar sozinho é tão ruim. Ninguém tem certeza disto até finalmente presenciar o isolamento. Ser isolado da vida de seus filhos, de seus netos... é uma dor terrível. Não recomendo a ninguém. - Aquietou-se, escutando um silêncio ensurdecedor que, de certo modo, o assustava internamente. Sua espinha arrepiou-se rapidamente. - Mas, quem recomenda a dor a alguém? Não imagino alguém capaz disso. Ahm... talvez se a pessoa estiver bastante irritada com a vida. Mas ela é o que é. Não podemos mudá-la, apenas aceitar o que nos espera.

Tornou-se frequente os devaneios do velhote emitirem sons agonizantes no final de cada frase.

Olhou para a infinidade de pontinhos brilhantes enfeitando o céu, ao inclinar a cabeça.

Daniel demorou a aceitar a sua sentença quando apenas o exílio de si mesmo foi posto à prova. Não conseguia lembrar o que tinha feito de errado com a sua vida. Ele não se rejeitou. Não contestou o motivo da respectiva entidade, muito menos sua essência. Ele era o que Deus o queria que fosse. Não contrariou isso e possivelmente nem queria. Entretanto, não parava de refutar-se mentalmente. Tinha algo errado com o destino dele. Ele almejava a cálida afeição que os humanos forneciam para repousar em paz com a sua própria alma, e tudo o que ganhara foi o desprezo de quem amava.

Um Senhor Natal [CONTO]Onde histórias criam vida. Descubra agora