Um Senhor Natal [CONTO]

Parte três

Era tão raro Daniel ser sincero com outras pessoas, que sentiu-se pesado. Ele não sabia julgar se isto era para ser considerado bom ou se não mudava absolutamente nada caso fosse ruim. Na medida que você não queria falar de seus próprios sentimentos, de si mesmo, perdia-se o contato de conhecimento e discernimento sobre o que se dizia fazer parte da vida. Ao menos, se passasse anos, como era o caso do velhote. Os sentimentos do senhor eram apenas seus, juntamente com a sua memória. Ninguém além dele tinha acesso.

Contudo, a presença daquele rapaz, o Alex, foi primordial para que fizesse retornar a habilidade de ser honesto que Daniel havia perdido. Além disso, o caráter dele que desaparecera, retornou ou, pelo menos, a vontade de tê-lo de volta. Era como se aquele jovem tivesse vindo como um futurista para lhe avisar de que não podia simplesmente esquecer-se dele mesmo com tanta facilidade. Não quando o que fizera no passado teve um teor muito significativo para aqueles que ajudara. Ele só não sabia disso.

Quase chegando o horário do almoço, Alex avisou a todos no refeitório que tinha uma surpresa.

No entanto, antes disso, chamou Daniel em um canto, onde ninguém poderia escutá-los e revelou a surpresa apenas para ele. Fez isso porque havia um motivo muito especial. A conversa que tiveram, aproximou esses dois, e Alex teve uma ideia muito legal da parte dele. Pediu que Daniel, o velhote, se vestisse de papai noel mais uma vez para apreciar o momento de nostalgia.

A princípio, não acreditou. Não quando fazia muito tempo desde que se vestira com os trajes vermelho e branco. Era a primeira vez que ficara tão feliz desde que viera para o asilo.

"Será que Deus ouviu minhas preces?", era o que se perguntava. "Será que ele preparou essa surpresa porque a minha vida já está no fim?"

Mais uma vez, estava vestido de Papai Noel. O senhor Daniel colaboraria e faria pessoas felizes novamente. Mas, não importava realmente que fosse a última vez, contanto que a sua fatalidade não fosse em vão, Daniel morreria feliz, se assim o Seu Senhor desejar.

- HO-HO-HO FELIZ NATAL! - Adentrou o local infestado de idosos ansiosos pela surpresa. Levantou os braços, um com um saco cheio de presentes e o outro com uma bengala, para lhe ajudar quando suas pernas se cansassem.

Avistou Alex recostado na parede com um grande sorriso que alcançava seus olhos iminentemente. Ele deu uma piscadela para o senhor Papai Noel e este sorriu em resposta, logo distribuindo os presentes.

Seu peito estava robusto de tanta felicidade. Seu coração, tão acelerado quanto um avião sobrevoando o céu em alta velocidade. Esqueceu-se da realidade que seu corpo franzino manifestava.

Por mais que estivesse feliz, faltava somente uma única coisa. Desejava firmemente que seus filhos, netos e provavelmente bisnetos o vissem com essas vestes para que não esquecessem de como ele era quando mais novo. Ele queria sentir o sabor do motivo pelo qual fora esquecido e, consequentemente, ignorado. Queria que suas dúvidas fossem respondidas, porque viver com o coração partido e com a garganta entalada era horrível. De modo algum isso era vida.

Apesar disso, ter Alex com ele, trazia a sensação de familiaridade e o sentimento que mais venerava. Era estranho e, ao mesmo tempo, compreensível, embora o velhote não soubesse por quê.

Quando Daniel terminou de distribuir os presentes, já estava muito cansado e suava bastante. Afinal, estava calor, mais ainda dentro daquela roupa. Ele não havia percebido, mas um banquete de dar água na boca foi posto à mesa. Não era muita coisa, porque o Alex também era pobre; não tinha tanto dinheiro assim. Ele fez questão de juntar o suficiente para que fizesse o natal dos idosos ser incrível. E, segundo o velho, estava sendo perfeito.

Antes de aproveitarem a pequena ceia que lhes proporcionaram, em pé, juntaram suas mãos, fecharam seus olhos, abaixaram minimamente a cabeça e um silêncio envolveu o refeitório. Exceto, como já era de se esperar, Alex. Ele nunca rezou, muito menos agradeceu antes de comer. "Para que isso?", perguntava-se. Daniel, percebendo e ligando os fatos que ele lhe contara, pediu uma pausa e afastou o rapaz da mesa.